segunda-feira, dezembro 25, 2006

Recesso...

Pois é...fica o dito e redito por não dito...e está aí tudo o que consegui produzir neste ano, o primeiro de vários deste blog, ao menos assim espero.

Deixo o agradecimento a todos os que tiveram paciência para ler, reler e comentar as parcas inserções desse espaço...fica a promessa de ano novo de que haverá muito mais, logo mais.

Tenham um pouquinho de paciência, que vou estar viajando nos próximos dias e dentro das possibilidades técnicas manterei vocês informados sobre nossos percursos e aventuras...

Um grande abraço a todos vocês e bom começo de ano...

Sorte!

quinta-feira, novembro 30, 2006

04 de junho de 2077

leia antes: parte 1, parte 2, parte 3, parte 4 e parte 5

Dormi boa parte do dia e acordei com o gosto amargo da ressaca na boca. Tomei um comprimido que rapidamente eliminou o mal estar. Os boêmios do passado invejariam essa tecnologia. Ou ririam...o que seria da boêmia sem a ressaca.
Meu pai trabalhava no escritório; estava de costas para a porta mas me ouviu passando:
- Tudo bem, filho?
- Sim...um pouco frustrado, mas bem.
- Quer falar sobre isso?
- Acho que não...Não.
- Tudo bem então.

Me afasto.

O que aconteceu ontem? Por que não senti? Fiz tudo certo! Estava praticamente nu, de peito aberto, e ainda assim não consegui.

O dia passou com essas maquinações. Amigos me ligaram. É sexta-feira e eles vão a uma festa. Me sinto tentado a ir. Desisto. Não estou vendo graça em deixar as máquinas decidirem sobre quem eu devo beijar ou não. Talvez eu saia hoje. Talvez faça uma ronda nos bares aqui perto.
Sem tanto álcool dessa vez. Sim, é isso.

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São 19h30. Estou num velho boteco a algumas quadras de casa.
Peço uma cerveja e não deixo de notar um velho sentado sozinho. Ele é calvo, tem uma barba muito branca, mal aparada e falhada. Puxa um cigarro. Faz muito tempo que não vejo alguém fumando ainda mais num lugar público, o que me faz pensar que talvez ele seja o dono do bar ou amigo do dono. Na sua frente, um copo de cerveja e outro com um líquido de um azul meio transparente que não consigo identificar

Ele olha pra mim e sorri. Vou até ele.

- Boa noite, posso me sentar com o senhor?
- Claro, filho...a casa é sua.
- O senhor é dono do bar?
- Faz 40 anos, e não passou um dia em que eu não tivesse bebido mais do que os clientes, haha! - ele ri e tosse ao mesmo tempo.
- Aceita absinto? - diz oferecendo o copo. Então essa era a bebida.
- É forte?
- Bebidas não se descrevem, filho...se provam. Diga você mesmo.

Tomei um gole grande e tive um acesso de tosse. Não era forte, era muito forte. O velho ria.
- Esse é português, 45 graus...o único que se acha hoje em dia. Quando eu era jovem, com algum esforço, achávamos o húngaro, de 97 graus.
- Mas isso era quase álcool puro!
- Bom jeito de matar uns neurônios, não?
Sorrio, meio sem graça. A garganta arde.
- Então, qual seu nome, filho? - ele não usava nenhuma identificação, nem leitor...daí a pergunta estranha.
- Augusto...e o do senhor?
- Carlos... - disse estendendo a mão para um cumprimento e abrindo a boca para um sorriso - O que o traz ao meu modesto bar?
- Não sei bem seu Carlos...tive vontade de sair...entrar no primeiro bar que encontrasse.
- Conheço bem essa vontade, mas você não tem cara de quem faz isso constantemente.
- Na verdade não. São esses escritos do meu avô que encontrei outro dia. Ele fazia isso e eu tive vontade de experimentar.
- E que tal?
- Bem...não encontrei ainda exatamente o que eu queria.
- E o que você quer?
- Sentir o que ele sentia.
- Mas isso é impossível...
- Estou começando a me convencer disso.
- Qual a idade do seu avô?
- Ele faria 100 anos no dia 22.
- Falecido...sinto muito. Gostava dele?
- Sim, muito. Ele me mostrou muita coisa. Me levou a muitos lugares. Me contou muitas histórias.
- A história de um ser humano é feita também pelo tempo em que ele vive, não só pelas situações por que ele passa, você entende isso Augusto?
- Um pouco seu Carlos.
- Veja, o mundo hoje permite muito pouco do que nós vivemos há 50, 60 anos atrás. As relações iniciavam e terminavam por nossa própria vontade. Ousávamos ir a lugares desconhecidos, que não apareciam nos guias. A tecnologia matou um pouco do nosso espírito aventureiro. Da nossa inconseqüência mesmo. Ela traz benefícios, mas tira um pouquinho da graça que talvez seja o que você está procurando. Estou falando demais, mania de velho...desculpe.
- Não seu Carlos, por favor...diga mais.
- Augusto, o homem tem que viver e encarar os desafios do seu tempo. O passado deve ser reverenciado, mas já não pode ser vivido. O futuro é conseqüência. Agora, que tal uma porçãozinha?

Sorri e aceitei a gentileza. Fiquei horas ouvindo aquele homem e suas histórias.

- Seu Carlos, já está tarde, tenho que ir.
- Augusto, sinta-se à vontade para vir quando quiser.

Fui para casa.

Sentado na cama, fiquei olhando para o data-watch. Olhei para os meus cubos empilhados na mesa. "O homem tem que viver o seu tempo". Talvez ele tenha razão. Talvez eu deva parar com essa busca inútil.

Levo as mãos ao rosto e me deito. Amanhã é outro dia.

quinta-feira, novembro 23, 2006

03/06/2077c - o bar errado

leia antes: parte 1, parte 2, parte 3 e parte 4.


Fico parado na porta do BH, o primeiro bar da lista, e observo. O ambiente é velho. Os garçons idem. Todos conhecidos de cada um que chega. E os que chegam são, aparentemente, frequentadores dos cinemas da região, novos e antigos (os cinemas e os frequentadores).
Um velho televisor de plasma, já saturado pelas imagens em alta definição, exibe um programa de auditório - "certas coisas não mudam, uma delas é a TV aberta" dizia meu avô. Escolhi uma mesa e me sentei à espera de um garçom, que veio com um cardápio.

- Uma cerveja por favor.
- Sinto muito, mas não servimos bebidas alcoólicas.

A frase ligou algo em mim. Lembrei de meu avô contando histórias sobre esse bar; como em determinado momento houve uma reforma e após ela reduziu-se drasticamente o cardápio de cervejas e de como houve um pequeno êxodo dos frequentadores mais antigos para outro bar. O Ibotirama, para ser mais exato.

Agradeci e me retirei.

A tarde cai enquanto chego ao Marajá, segundo bar da lista. Sentei e fiz o mesmo pedido. Fico feliz em ver o copo suado e o colarinho escorrendo na mesa. Algo está para acontecer.

Nada acontece. Sorvo o líquido rapidamente. Sinto os neurônios sendo consumidos. Escrever fica fácil mas não tenho nada, nenhum assunto. Estou aqui, sentado num bar, tomando cerveja. Que mais?

Em volta, pessoas sozinhas. Uma por mesa, todas olhando para seus pulsos consultando sabe-se lá que informação. Um sorri, uma mulher contrai os lábios e aperta os punhos, outro ainda digita insistentemente no FOLED do datawatch. Cada um no seu mundo, e nenhum no mundo do outro, exceto por aquela mesa onde um casal de desconhecidos acaba de receber um bipe de reconhecimento dizendo que poderiam em breve se casar e ter filhos. Pedi outra cerveja mais forte e mais escura e uma dose de cachaça.

Descarreguei meus créditos para pagar a conta usando um velho cartão que o garçom olhou com desconfiança. Estava escuro e não tinha pensado num lugar onde passar a noite. Bêbado que estava, resolvi vagar. Ir até o centro da cidade.

Poucos lugares tinham mudado tão pouco. Não fosse a excessiva quantidade de câmeras que garantiriam a segurança dos frequentadores da região pouco depois de 2010, substituídas e tornadas obsoletas com a implantação dos RFID´s como meio universal de identificação por volta de 2020, o centro continua mais ou menos o mesmo desde quando meu avô caminhava por aqui.

Desci até o Vale do Anhangabaú. Sentei num banco e adormeci.

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Acordei com a luz forte no rosto. As vozes pareciam saídas de um sonho que estava tendo e pouco a pouco se tornavam claras:
- Garoto! Ei garoto! Acorde! - um policial me sacudia.
- ...
- O quê está fazendo aqui a essa hora da madrugada? Você mora na rua?
- Não, eu...
- Por favor, passe seu...ei! Cadê seu datawatch?
- Em casa, eu deixei em casa...
- Ficou maluco?! E se te acontece alguma coisa?! Venha conosco, vamos te levar para a central.

Entramos no veículo. O zumbido leve do motor e a sensação de deslizar alguns centímetros acima do chão me fizeram adormecer de novo.

Acordei sentado numa cadeira. Pessoas caminhavam de um lado para o outro. No balcão reconheci meu pai conversando com outro homem.
- Deu trabalho para localizar seu pai garoto...não achamos seu RFID em lugar nenhum. Tivemos que escanear seu rosto.

Eu mantinha meu RFID conectado ao datawatch...hábito comum entre os que não queriam ter os seus implantados no corpo.

Meu pai se aproximou e não disse nada. Fomos para casa.

segunda-feira, novembro 13, 2006

03/06/2077b - Metalosis Maligna

leia antes: parte 1, parte 2 e parte 3

Do outro lado da rua havia um CI (Centro de Inclusão), onde os menos afortunados podiam acessar e gravar seus arquivos no banco de dados mundial - muitas mazelas de um país em desenvolvimento haviam sido sanadas mas a evolução tecnológica cria novas necessidades. Diante da primeira tentativa frustrada, precisava acessar meus arquivos em busca de outros pontos de referência. Atravessei a rua.

Na porta do CI alguns portadores de Metalosis Maligna, síndrome que a partir da metade do século acometeu usuários de implantes sintéticos, discutiam as recentes pesquisas em busca de uma cura e me olharam com desconfiança enquanto eu entrava.

Escolhi uma cabine e aproximei minha íris do leitor para acessar meus arquivos. Do lado de fora, ouço um comentário e risos abafados:
- Com essas roupas e não tem créditos para um implante de comunicação, haha!

Entrei com uma pesquisa semântica:
"leonardo carvalho, bares freqüentados, c. 2010, centro de são paulo e imediações"

O hollodeck me oferece algumas músicas associadas com meu avô para ouvir enquanto espero o resultado, na lista Beatles, Depeche Mode, Ladytron e Massive Attack; precisaria do meu data-watch para ouví-las...pena.

Menos de 30 segundos depois tenho um mapa tridimensional com a minha localização e uma lista de bares por onde ele deixou um rastro de créditos. Dois deles me saltam aos olhos pela data de abertura. Lanches BH - c. 1990 e Restaurante Marajá - c. 1960. Já ouvi esses nomes. E pela data ele deve ter passado por lá muito antes da moeda ser trocada por créditos.

Anotei os nomes no caderno e de repente as risadas do lado de fora emudeceram. Saí, com as pessoas me olhando como se eu não fosse desse planeta.



terça-feira, novembro 07, 2006

São Paulo, 03 de junho de 2077

leia antes a primeira e a segunda parte desse conto


Nunca tinha visto maldade em ninguém, mas foi a primeira coisa que vi nos olhos da primeira pessoa que cruzou meu caminho ao sair do prédio onde moro em Pinheiros. Senti medo e desviei os olhos mas senti que eles ainda me seguiam enquanto eu me misturava às pessoas.

No céu, os satélites - que desde 2029 são visíveis a olho nu - me olham com desconfiança;
o fato de estar entre a multidão completamente desplugado pode ser sido a razão disso.
A sensação é indescritível e me fez esquecer dos olhos, daquela pessoa e dos satélites.

Me sinto perdido e é bom. Não vou para lugar nenhum e vou para todos os lugares. Não sei o que fazer nem sei se a bela mulher com o laço amarelo nos cabelos que passa por mim gosta das mesmas coisas de que eu gosto. Decidi descer a rua Augusta que está sendo remodelada. Haveria de encontrar o que procurava.

Estou sozinho.

Quero gravar isto mas não tenho onde, por isso trouxe o velho caderno e uma caneta.

Vento.
Sol.
Folhas caídas.


É um sacrifício ter de expressar essas coisas sem o complemento das imagens, sons e das minhas próprias sensações gravadas, acostumado que estou com o escaneamento das minhas retinas e das minhas sinapses, mas o exercício é tão intrigante que escrevo e caminho ao mesmo tempo, esbarrando nas pessoas e tropaçando nos burados da calçada sendo refeita. Me pergunto se tempos atrás alguém conseguia fazer isso com mais competência.

A um ponto parei. Um prédio estava sendo demolido na esquina da Fernando de Albuquerque. Uma placa estava jogada no chão junto com o entulho que ia rapidamente sendo recolhido pelos recicladores que o iriam transformar em blocos de construção. Na placa eu li: "Ibotirama". Muito tempo atrás meu avô me trouxe aqui e contou das noites em que vinha a esse lugar. Era um dos pontos onde queria experimentar.

Me afasto, sentindo um pouco de raiva e tristeza. Mais um pedaço dele que vai embora.

segunda-feira, outubro 09, 2006

São Paulo, 02 de junho de 2077

leia antes a primeira parte desse conto

A vibração suave do colchão me acordou exatamente às 07 da manhã, conforme programado na noite anterior. Ao meu lado, o hollodeck apresentava o menu de seleção onde eu podia escolher entre ver o noticiário mundial, a previsão do tempo ou um episódio aleatório do "Monty Phyton´s Flying Circus", humorístico que meu avô adorava e minha avó achava bobo. Resolvi ir direto para o banho, tinha muito em que pensar.

Depois do banho, me sentei para tomar meu café-da-manhã que, diziam, era igual ao do meu avô: uma caneca de café.

Meu pai falou primeiro:
- Que você tem Augusto? Anda sério demais nos últimos dias.
- Ahn? - me fiz de distraído.
- Já faz alguns dias que não tenho que brigar com você por mexer nos meus arquivos - disse com um riso irônico.
- Pai, eu vou passar uns dias por aí...
- Como "por aí"?
- É justamente isso, por aí, quero conhecer gente nova, lugares novos... - fui interrompido:
- Essa conversa de novo filho?!? Eu já te falei mais de mil vezes: tira seu avô e as idéias malucas dele da cabeça, pô!
- Não é ele mais pai, sou eu - menti - Eu estou com essa vontade de me desligar (me desligar nesses dias tinha um significado para além da metáfora...)
- Filho, você não precisa mentir pra mim. Vou te dizer uma coisa: aqueles tempos eram outros. A possibilidade do anonimato era real. As experiências interpessoais eram autenticamente aleatórias, até que as circunstâncias nos levaram a deixar as máquinas decidirem por nós...

Ele falava...e eu pensava num tempo em que conhecer pessoas dependia apenas dos lugares e de uma dose do que meu avô chamava de "cara-de-pau", algo como um abandono inconsequente de si mesmo.
Nesses dias, nossos dias, eu poderia a qualquer momento dar atenção aos bipes do meu data-watch, desesperadamente apontando a potencial parceira ou amigo que passa por mim na rua...potenciais...

- Está me ouvindo Augusto?

Acordei do transe, piscando os olhos:
- Acho que está na hora...

Levei a mão ao botão na minha jaqueta e o desliguei. Meu pai olhava, impassível. Levantei e saí, deixando a porta aberta atrás de mim.

sexta-feira, outubro 06, 2006

São Paulo, 01 de junho de 2077

Tive essa viagem de que um dia meu neto começaria um diário e uma busca baseados nas minhas experiências descritas nesse espaço. O resultado dessa viagem começa aqui e eu não sei exatamente onde vamos parar, meu neto e eu.


do diário de Augusto de Carvalho.


Meu avô faria 100 anos no próximo dia 22, o que me fez acessar antigos arquivos pessoais que ele havia salvo num extinto servidor daquilo que à época se chamava "blog" . Tive o cuidado de guardar os dados num cubo de memória e sincronizá-los com meu data-watch. A idéia do que vou fazer hoje me ocorreu lendo esses arquivos.

Ele falava pouco em lugares; não existem endereços. Suas descrições eram basicamente das suas experiências passadas em alguns pontos da Rua Augusta, da Av. Paulista, da Vila Madalena... São Paulo mudou muito, a começar do centro onde se passam a maioria das suas histórias e grande parte dessas mudanças começaram justamente enquanto ele escrevia: a linha B32 do Metrô (antigamente chamada de linha amarela) estava sendo construída e a Consolação ainda não havia sido repaginada transformando-se no Boulevard Andrea Matarazzo com a posterior transferência do tráfego para as galerias subterrâneas, o que só se tornou viável em 2050 quando os carros movidos a gasolina e biocombustível foram substituídos por motores elétricos silenciosos e não poluentes.

O Bexiga/Consolação, segundo pesquisas que fiz a partir dos escritos do meu avô e segundo histórias que ele mesmo me contou - durante minha infância até meus doze anos quando faleceu - era o interior de um quadrilátero formado pela Av. Paulista ao norte, Boulevard Matarazzo a leste, Vinte e Três de Maio a oeste e Anhangabaú ao sul. À sua época era uma região onde haviam cortiços, restaurantes tradicionais e bares frequentados pela boêmia. Boêmia que na região teve dois auges, o primeiro à época do sambista Adoniram Barbosa.

Ouvindo gravações do sambista nos velhos arquivos mp3 do meu pai (quando ele me deixava ouvir, claro - eram herança do meu avô) minha alma se enchia das histórias dos imigrantes italianos que ocuparam a região e dos filhos e filhas de escravos que vieram dividir o espaço com eles. Nas últimas décadas do século XX a região se degradou, e foi praticamente abandonada.

Quando meu avô se mudou para a região com a minha avó (no início do século), especialmente entre a Nove de Julho e a Consolação estava acontecendo um movimento gradual de ocupação por artistas, jovens casais de profissionais liberais, repúblicas de estudantes e - apesar da repressão homofóbica que ainda existia naquele tempo - homossexuais masculinos e femininos que encontraram naquele lugar um espaço totalmente democrático. Essa foi a segunda onda boêmia. Surgiram bares, livrarias, cafés, casas noturnas e esses começaram a ocupar lugares que antes eram casas abandonadas e prostíbulos.

Diferente da primeira, essa onda era formada por pessoas que não permitiriam a degradação do espaço onde viviam, atentas que estavam às experiências do passado. Ocorreu uma gradual transformação do bairro. O parque da Consolação, vital área verde da região nesses nossos dias, começou graças à mobilização dessas pessoas. Em 2020 o último bordel da rua Augusta foi fechado para abrigar um novo cinema. Em 2025 os moradores levaram petição à Prefeitura para que os últimos casarões não fossem derrubados para darem lugar a prédios mas sim restaurados e transformados em museus, bibliotecas e escolas parcialmente mantidos pelos próprios moradores organizados em associações. A "cidade" dos antigos, tão dura aos olhos de quem chegava, cinza, claustrofóbica, tinha se humanizado.

Cresci aqui, cercado dessas histórias contadas pelo meu avô ou por antigos moradores do bairro conhecidos dele. Parece ter um pedaço dele em cada esquina por onde passo mas ainda tem algo dele que não conheci, que permanece oculto em algum lugar nesses antigos bares e cafés.
Li cada texto seu e captei um sentimento que não consigo definir. Por trás das suas crônicas existia algo como um pertencimento de sua parte com relação aos lugares. Uma imersão total que ele transmitia como um sentimento de harmonia nos momentos em que ele estava cercado desses lugares e dessas pessoas, conhecidas ou não; posso estar enganado, mas penso que essa é a boêmia, e é atrás dela e dessas sensações que estou disposto a ir. E esse vai ser meu presente para meu avô.

São 23 horas; percebo pela redução na intensidade das luzes e pelo odor relaxante de canela que começa a sair pelos tubos da ventilação começando meu relaxamento para o repouso dessa noite. Amanhã começa minha busca. Olho para uma foto dos meus avós e me deixo vencer pelo sono.

segunda-feira, setembro 25, 2006

Recesso

Desculpem a demora...tive que ir ali comprar cigarro...como não tinha no bar ao lado tive que ir até Campinas...me disseram pra não beber a água de lá, então bebi cerveja mesmo que era de procedência confiável.
Ainda não considero esse post uma volta, como manda o figurino. Esses tempos de eleições...sei lá...fico assim meio reflexivo.
Não que não reflita na entressafra eleitoral. Me irrita é a profusão de soluções fáceis para problemas históricos e histéricos comum ao período. Me irrita a hipocrisia. Me irrita ser tratado como idiota acéfalo.
Daí fico assim, acéfalo, sem saber o que dizer.
Pra não dizer que não disse, o Chico fala por mim

Quem me vê sempre parado, distante
Garante que eu não sei sambar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
Eu tô só vendo, sabendo, sentindo, escutando
E não posso falar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
Eu vejo as pernas de louça da moça que passa e não
posso pegar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
Há quanto tempo desejo seu beijo
Molhado de maracujá
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
E quem me ofende, humilhando, pisando, pensando
Que eu vou aturar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
E quem me vê apanhando da vida duvida que eu vá
revidar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
Eu vejo a barra do dia surgindo, pedindo pra gente
cantar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
Eu tenho tanta alegria, adiada, abafada, quem dera
gritar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar

segunda-feira, setembro 11, 2006

Feriado


Feriadão! Sexta-feira enforcada graças a duras negociações na empresa. Tempo de ficar de papo pro ar, curtindo umas e outras e jogando conversa fora, certo? Errado. Em Bertioga, na casa do sogrão, ficar de papo pro ar é coisa para se fazer nos dias de chuva, onde não resta outra possibilidade. Não me queixo. Esse corpinho com forma de gota que ostento andava demandando atividades físicas diferentes do levantamento de copo e do arremesso de amendoim (medalha de prata nos jogos de boteco de Porto Alegre em 1997).
A atividade se prenunciava simples: um passeio a uma cidade perdida no pé da serra. Esta, construída em 1910 (ano de fundação da usina hidrelétrica que a inspirou) escondia, além do charme das construções inglesas, uma ou outra corredeira estrategicamente disposta, alvos das nossas pretensões.
Para chegar à vila duas opções, um trem que subia a serra ou um barco que obviamente subia um rio. Fomos de barco, já que o trem já estava ocupado pelos mais experientes do grupo.
Passeio bacana. Mesmo. Me empolguei. Quem sabe dessa vez não haveria nenhum contratempo. Nenhuma caminhada sobre um campo de espinhosas ou sobre pedras que queimavam ao sol do meio dia. Ia por essas quando o motor parou. Parou por que? Porque, devido à maré baixa, o leito do rio não comportava a passagem do barco carregado com 8 passageiros. Desceriam os homens, e empurrariam o barco. Pensei em afinar a voz, ou imitar choro infantil, mas era tarde. Já requisitavam minha presença na popa.
Saímos da situação e seguimos viagem por mais 2 ou 3 minutos quando chegamos ao local de ancoragem e aí começa o suplício.
Como falei, a maré estava baixa, e não estava para peixe. O local de ancoragem estava a 8 ou 10 metros de onde paramos com o barco. Esses 8 ou 10 metros eram preenchidos por lama do mangue. A lama do mangue seria algo como um outro estado da água, entre o sólido e o líquido, e tende a recolher no seu interior os incautos que se aventuram a pisá-la. Gordos incautos aceleram o processo pelo excesso de tecido adiposo. Não sou incauto, mas a foto ao lado é o resultado da aventura. O tanque é cortesia do 'seu' Ulisses, morador local.

quinta-feira, agosto 31, 2006

Azul

Ela voltou pra casa debaixo de chuva e de semáforos que insistiam em ficar vermelhos. Entrando no prédio, teve que desviar de um grupo de crianças vestidas com capas de chuva amarelas comuns às crianças do Japão, onde morava já tinha 2 anos.
Estava triste e a tristeza tinha motivo. Ou estava mais frustrada do que triste, já não sabia. A alternância dos sentimentos faziam sua imagem no espelho do banheiro mudar entre tons de cinza, azul e laranja. O azul era a causa desse descontentamento.
Acordara naquela manhã sentindo vontade de ser azul. Não aquele azul que recobre a pele quando se está melancólico. Queria que a cor fosse simplesmente uma cor. Mas nesse mundo as cores falam do que vai na alma, e foi inevitável a abordagem em todos os lugares por onde passou.
No trabalho as pessoas cochichavam o que ela conseguia identificar como frases sobre frustração amorosa, sexual ou familiar.
Durante o almoço uma senhora vestida de gueixa, quebrando o protocolo, a chamou num canto e abriu um terno sorriso enquanto passou a mão no seu rosto. Aquilo a irritou profundamente fazendo o azul ser sobreposto por tons de vermelho, criando um roxo meio translúcido...a senhora recuou assustada.
No meio da tarde, seu chefe a chamou. Ele era muito branco e sereno e ninguém nunca o tinha visto com outra cor. Com muita calma ele disse para ela tirar o resto do dia de descanso; a calma era tanta que o que poderia ser definitivo para uma explosão de raiva e lágrimas, acabou sendo profundamente reconfortante. Seu azul ficou mais claro.
Em casa, com uma caneca de chá verde nas mãos e um velho disco de jazz ao fundo, sentada no parapeito da janela onde a chuva respingava, vendo a cidade lá embaixo um pensamento fez o azul tomar conta da sua alma: que mundo é esse onde ninguém pode ser da cor que quiser?

para a Cris, que tem mais é que ser azul.

segunda-feira, agosto 28, 2006

Fugindo do trabalho


Novos tempos, novas tecnologias, novos jeitos de matar o trabalho...certo?
Um cidadão postou aqui (em inglês) técnicas para passar despercebido em ambientes de trabalho, deixando tempo livre para o que realmente importa (postar no seu blog, por exemplo).
Dentre os métodos um me pareceu genial: ter sobre a mesa uma caneca (invenção da Bud Light) que expele vapor, como se sempre tivesse café quentinho. Quem passa e vê a caneca mas não te encontra logo pensa: "o café está quente, deve só ter ido ao banheiro" E você tem todo o tempo do mundo para se dedicar a outras atividades, como mostra este videozinho.

terça-feira, agosto 22, 2006

Nações Unidas

Pra variar foi no Ibotirama, na última sexta. Estávamos na mesa dois amigos do trabalho, Rê, meu cunhado, a namorada, um primo da Rê e eu. Uns gringos sentaram-se na mesa em frente. Não me perguntem como nem porquê estavam interagindo com a gente menos de 5 minutos depois de terem chegado. Podem ter sido os sambas antigos que o Fernando estava puxando. Pode ter sido o clima animado da mesa.
O fato é que de 6, viramos 9. Os gringos eram figuraças: um de Trinidad-Tobago, outro da Guiana Francesa e um terceiro, inglês. A nós se juntou uma outra menina, que ia passando e nem ia ficar, mas ficou.
Cada vez me convenço mais de que bar é o ponto de convergência definitivo entre as culturas. Brancos, negros, amarelos, azuis, verdes e vermelhos tem seus momentos de confraternização. Penso que invariavalmente envolvam algum tipo de alucinógeno e discussões sobre a bunda da vizinha (quando não há mulheres presentes, claro fique).
O fascinante é que esses momentos de confraternização (pelo menos aqueles dos quais participei, que não foram poucos e me conferem certa autoridade no assunto) permitem, após certa dose dos químicos envolvidos, a participação de qualquer outro ser humano independente de gênero, raça, credo, posição política ou bunda. O único pré-requisito é compartilhar o momento e os químicos envolvidos. Ou não. Mais vale a pré-disposição em confraternizar.
Daí, viagem minha, pensei na ONU e sua ineficácia em fazer valer o bom-senso nos mais variados assuntos, posto que se trata de organismo internacional onde se sentam mais de cento e tantos líderes, mais de cento e tantas opiniões.
Pensei como tudo seria diferente se ao invés daquela sala circular fosse instalada uma grande mesa de bar. Podia ser até patrocinada pela Brahma.
O resto já se enxerga: os líderes mundias de gravata afrouxada, pedindo cerveja - obviamente haveria cerveja e outras bebidas de todas as regiões do mundo, para se evitar qualquer conflito diplomático - dedos levantados, mas pra chamar o garçom. Videokês...tá bom, esqueçam os videokês...
Jogos começariam: palitinho, moeda ao copo, vira-vira. Não demoraria alguém iria imitar o Frank Sinatra, ou o Silvio Santos. No fim...rodadas e rodadas depois, todos abraçados, amigões, desculpas por ter gritado no outro dia, e pra casa levar esporro do cônjuge.
O mundo ideal seria a grande mesa de bar. Cada um na sua, respeitando a do outro, valendo tudo...só não vale derrubar a cerveja.

segunda-feira, agosto 07, 2006

Alucinógenos

A cerveja esquentava no copo à sua frente. As gotas de água condensada escorriam mesa afora e molhando seu colo. "Guardanapos, por favor". O guardanapo vagabundo se misturava com a água e sujava sua calça.
O cara da mesa ao lado lhe pediu fogo. Ajustou o lança-chamas e acendeu o cigarro causando apenas um vermelhão no nariz do vizinho: "Valeu brou". Uma manifestação em prol do amor livre entre cangurus se reuniu na esquina, esperando o farol abrir e a banda de músicos peruanos passar tocando "el condor pasa", o cara que pediu fogo saiu voando imitando um cuco.
Seu amigo chegou andando com as mãos e se sentou nas mesa em posição de lótus, eu disse na mesa: "Não vai acreditar em quem encontrei hoje..." Ele falava, mas o outro estava prestando atenção nas líderes de torcida que espancavam um gorila na outra calçada.
Besouros passam em marcha carregando um sultão gordo e risonho que abana para o pessoal do bar, ele acena de volta.
O sol se põe e nasce do outro lado ao som de música de desenho animado, enquanto ele pede outra cerveja e outro côco à milanesa. Seu amigo agora fala chinês com um leve sotaque turco.
O pelicano no balcão do bar, que até agora estava imóvel, sugere à moça ao seu lado que tire a roupa para que ele coma...a roupa, bem entendido. A moça pede referências e outro chá verde.
Chegam os elefantes e ele decide que é hora de ir embora.

terça-feira, agosto 01, 2006

Sesc Pompéia...sexta-feira

Quando era moleque um primo, grande amigo e influenciador do meu gosto musical, chegou com um disco pra mim: "ouve isso aqui". Era a banda santista Harry , grandes influenciadores do gênero eletrônico aqui no Brasil.
Dia desses, estava no Orkut e descobri no meio das comunidades o perfil de alguns dos membros da banda e (aleluia!) o Harry estava de volta.
Na última sexta, 28 de agosto, convenci um amigo do trabalho - também apreciador do som - a ir comigo ao Sesc Pompéia pra curtir o show dos caras. Chegamos em cima da hora e sem ingressos, o que nos fez passar correndo pelo tiozinho da van de cachorro-quente que gritava: "skol geladinha?!"
- Depois, tio...
Compramos o ingresso, e como o primeiro show da noite estava meia boca, resolvemos voltar ao simpático tiozinho, que ao nos ver disse à esposa:
- Não falei?! Não falei que o "barba" voltava?!
O "barba" era eu.
- Solta uma gelada "bigode"!
Adoro São Paulo.

PS.: O show foi bom paca! Recomendo buscar material dos caras!

Porto Alegre, parte 2

Já está no ar minha segunda colaboração ao blog de porto alegre...
Nesta, comento sobre as diferenças entre os lanches paulistas e lanches gaúchos. Clica aqui

segunda-feira, julho 31, 2006

Em Porto Alegre

Pra quem não sabe, morei no sul. Porto Alegre para ser mais exato. Fiz contato com o pessoal do PALEGRE - que é um blog daquela bela cidade - e acabei fazendo acerto para postar minhas desventuras numa série de crônicas a serem publicadas à medida que eu tiver a possibilidade...
A primeira delas está aqui . Conforme surgirem novas, vou avisando a vocês.

quarta-feira, julho 26, 2006

Campanha troque seu Orkut por um blog


O Zero, blog responsa, criou essa campanha/manifesto.
Dever de garçom que se preze é informar as novidades à sua clientela, prestando o devido apoio a campanhas desse tom.
Apoiado!

PS.: no título deste post, link para a campanha...link para o blog aqui

terça-feira, julho 25, 2006

Imagens

Estava contando essa história pra Cris:
Conhecem o Monarca? É um bar que tem na Luís Coelho com a Augusta...que é a mesma esquina do BH, mas é a outra, sacaram? Pois...fui com a Re e a Kellen nesse bar hoje, por a conversa em dia. Lá pelas tantas, reparo que no BH se senta uma moça punk de costas pra nós, sozinha ao lado de uma mesa cheia de caras. Tempos depois, a mesa cheia de caras fica vazia.
Mais tempos depois e na mesa do lado da punk senta - também de costas pra nós - um cara bem, como se dizia nos oitenta, yuppie.
Chamei a atenção da mesa para a cena, era realmente algo plástico...bonito...diferente...e de repente parou um carro na nossa calçada bloqueando a visão. Esquecemos o assunto.
Pagamos a conta, íamos saindo e a Re me chamou a atenção pra onde antes estava sentado só o yuppie. A punk estava sentada com ele. A conversa fluia. Me arrependi de não ter uma câmera pra flagar toda a sequência...


A Cris sentenciou:
"A Punk levada da breca" - piada para o público oitentista.

quarta-feira, julho 19, 2006

Todos os Nomes

Tenho uma dificuldade tremenda para guardar nomes. Lá pela quinta ou sexta vez que ouço o nome da pessoa olhando seu rosto é que vou guardar que aquele(a) é o fulano(a) ou o ciclano(a). Isso já me rendeu embaraços, por certo. O Veríssimo já contou em uma das suas crônicas o aperto por que passamos quando encontramos alguém de quem não lembramos o nome. Não contou, porém, de quando temos que apresentar esse alguém pra outra pessoa. Não contou de quando estamos lá, na mesa do bar, interagindo com alguém de quem não lembramos o nome.

Para essas situações, apresento ações de fácil (ou nem tanto) execução:

a) você sabe que conhece essa pessoa que chegou na mesa de bar que você compartilha com amigos mas não se lembra o nome:

1 - o cínico: "Olha, esses são "o pessoal ", esse é você , se apresentem aí que acho isso uma bruta frescura." Reparem que, grosseiramente, chamamos a pessoa que chegou de "você" e, pelo bizarro da situação, ela nem percebeu.
2 - o educado: "Pô! Que legal te ver, estava aqui tomando uma cerveja com o X e com o Y. Olha! - apontando para o(a) que acaba de chegar - esse(a) aqui é um(a) grande amigo meu." A educação faz o resto...

b) Você está efetivamente interagindo com a pessoa da qual você não lembra o nome, e tenta desesperadamente aliviar a memória.

1 - O grafólogo: Meu! Aprendi um negócio bárbaro! Chama grafologia: você escreve seu nome aqui nesse guardanapo que vou desvendar traços da sua personalidade...
2 - O psico: "Então, vou te pedir um negócio estranho..." - segue-se diálogo pertinente - "Me empresta sua identidade? Sou fissurado em ver foto de identidade..."
Atenção! Não usar com pessoas do sexo oposto por quem se nutre certo interesse. Corre-se o risco de pôr tudo a perder.

segunda-feira, julho 17, 2006

O Negociador


Batendo todos os recordes no quesito "levar vantagem", um canadense chamado Kyle MacDonald conseguiu uma casa após uma seqüência de 14 rodadas de troca de produtos.

O bizarro é que o primeiro produto que ele ofereceu foi um clipe vermelho de papel - por sinal, esse aí ao lado - que trocou por uma caneta em forma de peixe, que trocou por um fogão de acampamento, que trocou por um gerador, que trocou por um kit de chope, que trocou por um snowmobille, que trocou por uma viajem, que trocou por um contrato com uma gravadora, que trocou por um ano de aluguel em uma casa e assim sucessivamente...
Ele conta toda a história em seu blog.

domingo, julho 16, 2006

Novo "leiaute"

Taí...uma reforminha básica no boteco...arrastei umas mesas e dei um tapa no balcão que agora exibe também alguns atalhos para outros lugares de interesse desse garçom (aceitamos sugestões!).
Digam lá o que vocês pensam.

quinta-feira, julho 13, 2006

Super-Homem


Estava fuçando no Google Earth tentando achar minha casa.
Voar como o Super-Homem é moleza. Difícil mesmo é achar a sua casa lá de cima!

O fim do Mundo

O Renê, amigão, esteve no Bourbon Street, que pra quem não sabe é um bar onde rola basicamente blues.
A política da casa diz que se você e seus amigos não conseguirem encher uma mesa, devem permitir que outras pessoas façam uso das cadeiras que sobram. O resultado é que invariavelmente você acaba sentando com pessoas que não conhece. Vá lá...para pessoas com alto grau de sociabilidade como o Renê, isso não é problema. Menos problema quando as pessoas estranhas que sentam à mesa com você também tem alto grau de sociabilidade. E foi o que passou nessa ida do Renê ao Bourbon Street.
Contou que lá pelas tantas, falando da vida, descobriram que entre a turma dele e a turma dos desconhecidos haviam amigos que tinham trabalhado juntos na Alemanha, na mesma época, fazendo o mesmo trabalho. Iam por essas quando a eles se juntou outra menina desconhecida que ouviu a história e comentou que um tio dela havia chefiado uma equipe de brasileiros que estava fazendo esse trabalho X, onde? Na Alemanha.
Pra mim o fim do mundo vai ser exatamente isso: um dia vai acontecer a coincidência definitiva. Será o esgotamento de todas as probabilidades de um fato acontecer com uma única pessoa isoladamente. Que viagem!

sexta-feira, julho 07, 2006

Pedido encarecido

Aos anônimos - não tão anônimos - que postam nesse humilde espaço, peço a fineza de deixar mais contatos. Tantos os comentários bacanas de pessoas com quem não tenho contato, tantas as pessoas que deixam sua marca na mesa do bar com uma frase definitiva, um gesto expressivo que, dento da minha alucinação, quero conhecer a todos e dar meu abraço. Deixem aí seus contatos, após comentarem. Parênteses: tópico destinado aos desconhecidos, que os conhecidos sabem que meu abraço é ad infinitum.

quarta-feira, julho 05, 2006

Uma última coisa sobre a Copa

Acho que tudo que podia ser dito sobre a Copa - incluindo aí, e com o devido grifo, o papelão do escrete canarinho - já foi dito e redito. Mas olhando o Almanaque da Folha - seção online de história do jornal - vi um texto publicado por ocasião da vitória em 58. Duas coisas que me chamaram a atenção: o cuidado com o texto esportivo da época, que recebia o mesmo tratamento de qualquer texto do jornal; não existia o modismo de transformar os textos futebolísticos em uma bobajada que se equilibra entre pseudo-literatura (vide as tentativas ridículas do Pedro Bial de fazer crônica esportiva no Jornal Nacional) e o fanatismo/ufanismo imbecil (pra citar um nome: Bobueeeeenooo!!!). Outro aspecto, especial para mim tão apreciador da crônica, foi o singelo texto escrito por dois jornalistas que foram à rua no momento da final entre Brasil e Suécia as imagens capturadas são uma delícia. Segue a íntegra desse texto e o link para vocês buscarem mais dessas pérolas, que não se resumem ao mundo da bola.

Almanaque da Folha

"ATENÇÃO, BRASIL!... ATENÇÃO, BRASIL!... vai ser iniciado o jogo..." Desse grito nervoso até aquele outro, em que o locutor, com o coração na garganta, anunciou o último apito do árbitro - BRASIL, CAMPEÃO!... BRASIL CAMPEÃO DO MUNDO!... - transcorreram quase duas horas de emoção para homens fortes, duas horas de um "suspense" jamais registrado em nossa história esportiva. Quando a Suécia abriu a contagem, houve um princípio de colapso cardíaco em cada coração e caíram as primeiras lágrimas de tristeza. Mas logo o Brasil empatou e então os corações se abriram num entusiasmo só e caíram as primeiras lágrimas de alegria. Em todas as praças da cidade, em todos os lares, nos cárceres, nos campos dos arredores, nas mansões grã-finas do Jardim América e nos botecos sujos dos arrebaldes, centenas de milhares de homens saltaram de alegria, gritaram e confraternizaram-se. SEGUNDO GOL. Na praça da República o povo explodiu e a multidão ergueu-se como em obediência a uma ordem de comando. Uma senhora caiu desmaiada aos pés do repórter e um nissei, que antes parecia impassível, enfiou o rosto nas mãos e chorou de emoção e alegria, enquanto a artilharia dos foguetes juninos explodia no céu e sua fumaça se confundia com a impressionante chuva de papel picado que descia dos arranha-céus.

O PRIMEIRO INDIFERENTE

Quando saímos para esta reportagem, notamos o ascensorista tranqüilo como um hindu.

- O jogo não o emociona?

- "Não vou ouvir a irradiação. O coração, sabe?"

Saímos à rua. Rostos pálidos, sorrisos forçados por todos os cantos. Percorremos as praças e ruas do centro. Gente sentada na grama dos parques, no chão, sobre carrinhos de ambulantes. Carros parados, homens nervosos andando de lá pra cá. E o silêncio, um silêncio quase lúgubre. Finalmente, começa o jogo. Aumenta o nervosismo, os gols se sucedem e os ataques de lado a lado, sempre perigosos. Quando a Suécia abriu a contagem, um jovem, na praça do Patriarca, jogou-se no chão. Ergueram-no e ele, quase sem sentidos, começou a arrancar os cabelos de desespero.

- "Meu Deus!... Meu Deus!... Estamos fritos!... Quando o Brasil empatou, o mesmo jovem saiu em disparada, aos berros:

- "Ganhamos!... Ganhamos!..."

- "Esse vai enlouquecer hoje." Comentou uma senhora.

Vavá marcou outra vez e colocou o Brasil em vantagem. Então todos enlouqueceram, inclusive a senhora que temera pela razão do rapaz nervoso. Ela abraçou um guarda.

A multidão dançava na praça. A artilharia foi mais forte e a chuva de papel picado desceu outra vez.

Acabou o primeiro tempo, começou o segundo. Quase ninguém notou o intervalo:

- "Quanto falta?"

- "Falta muito?"

- "Meu Deus, o tempo não corre!"

- "Goooooool! Goooooool do Brasil!" - gritou o locutor. Aí, não pudemos notar nada, nem registrar nada. Mal percebemos que fora Pelé o autor do tento, porque um homem nos agarrou com lágrimas nos olhos e começou a beijar-nos desesperadamente. Quando nos largou, ouvimos um homem gritar:

- "Adeus, vice"... Adeus, vice!... É nooosso! É nooosso!"...

Prossegue o jogo e as perguntas se sucedem:

- "Quanto falta?"

- "Faltam dez."

- "Você está louco" Está no finzinho, velho!"

As cenas se repetiram na marcação dos outros dois gols.

FECHOU O MERCADO CENTRAL

O Mercado Central fechara suas portas. O administrador ficou com medo de que os foguetes da vitória fizessem ruir o prédio. Prudência elogiável, porque as casas especializadas esgotaram seus estoques de bombas juninas. Pela manhã, os maratonistas da federação de atletismo cobriram os 20 quilômetros em menos tempo. Vimos 2 deles depois, na cidade, vibrando com o futebol que sempre consideram inimigo do esporte amador.

"TEEEEEERMINOU O JOGO! BRAAAAAASIL CAMPEÃO!"

A voz do locutor veio do céu. Do céu veio a bênção para o povo, que dançou mais do que nunca, numa alegria talvez mais forte do que aquela que anunciou o fim da guerra ou que assinalou a chegada dos pracinhas da FEB. Alegria de lágrimas, alegria de abraços. O povo está em festa nas ruas e grita:

VIVA O BRASIL!... VIVA O BRASIL!...

Aí cruzamos com o segundo indiferente. Um jovem alto, com óculos de intelectual. Vem sereno pela av. São João, um livro sob o braço.

- "Não está emocionado?"

- "Nem liguei para esse jogo. Quem ganhou?"

- "O Brasil, menino! O Brasil!..."


Métodos Modernos de Tortura Feminina

Estava aqui, sentado no sofá ao lado da Rê enquanto ela depilava a perna (com cera! - ela disse depois de ler o texto). Que pavor! Reconheço que somos todos frouxos, os homens. Reclamamos de fazer a barba, vejam só vocês, quando a mulher desde a adolescência é preparada para as dores do mundo, estéticas ou não: lingeries (visivelmente uma invenção masculina), saltos altos, o parto, filhos que vão embora, maridos que chegam tarde reinvidicando o jantar...
Meninas, representando sua unida categoria, está aqui ao meu lado a Renata, sofrendo mas recebendo meu profundo amor e, débil, solidariedade.

sábado, junho 10, 2006

Criativo


É fato sabido entre os homens que mesmo o momento do xixizinho pode ser extremamente divertido, dependendo do boteco. Acontece que em determinados lugares, nos urinóis (para o público feminino que desconhece o aparelho, trata-se de um vaso pendurado na parede, destinado apenas ao "número 1", facilidade do aparelho urinário masculino) são colocados os mais variados "desodorizantes", dentre eles a naftalina - que atirada de furinho em furinho com o jato, pode se converter em passatempo; rodelas de limão - que podem ser descascadas com o jato; e finalmente pedras de gelo - que serão derretidas a cada visita.
Acontece que um pessoal (pela foto, da ESPN Brasil) elevou o nível do passatempo, dando ares de jogo.

A taça do mundo é nossa...

Futebol é bola na rede. Futebol é cerveja no copo. É bater na mesa do bar pedindo mais uma ou mandando o camarada se lascar, "...onde já se viu opinião tão estúpida rapaz??"

Nesses dias de copa do mundo vou garimpando aqui e ali, nos bares e ruas da cidade, frases, imagens, cenas, opiniões e bizarrices para compartilhar com você, frequentador deste boteco.

Também vou caçar na web serviços e matérias relacionados com o assunto. Sobre esse tema, encontrei um sítio que traz informações sobre o mundo da bola colocados sobre um mapa do google (o que a blogosfera chama de mashup). Clicando num país você tem acesso a notícias relacionadas à copa naquele país, é em inglês.

domingo, maio 28, 2006

Virada Cultural

Foi assim:

- Vamos Rê, acho que não ir é entregar a cidade. Não podemos entregar a cidade pro medo.

E fomos. E nos espantamos com a quantidade de pessoas. É louvável a iniciativa de ocupar o Centro, tão pouco conhecido da maioria dos moradores de SP, com festa, manifestações culturais as mais diversas. Enriquece o povo e enriquece a cidade. Foi bom ver tanta gente pensando do mesmo jeito.

Começamos com o Cordel do Fogo Encantado, na Praça da Sé. Chacoalhamos um pouco e a fome bateu:

- Vamos ali comer uma coxinha? – propôs a Rê, ao que eu, um imodesto especialista no assunto (ver texto abaixo) assenti. O “ali” se chamava Jubileu. Jubileu Lanches. Ficava numa das esquinas da Praça.


Existem circunstâncias em que o ser humano adentra recintos sem reparar em detalhes que normalmente seriam fator preponderante para a decisão sábia de virar as costas e ir embora. Neste caso, a circunstância era a possibilidade de todos os outros lugares do centro estarem superlotados. Sentamos e fizemos o pedido. Duas coxinhas e uma cervejinha – minha religião só permite coxinha acompanhada de cerveja.

O momento da espera é o momento de cair em si, já passada a fase da barbárie na busca do espaço vital, e começar a observar onde se entrou. Nas mesas ao lado, homens balançavam ao som de Amado Batista, olhos vermelhos, mentes entorpecidas. Dois dançavam em pé. Uma mulher cambaleava e quase caiu na nossa mesa, procurando pela sua bolsa. Alguns nos lançavam aquele olhar de filmes antigos de zumbi que os moradores locais davam aos forasteiros dentro do único bar da cidade “Vá embora, você não pertence a esse lugar”. A Rê quis ir ao banheiro, que estava com placa de “quebrado”:

- Só pra enganar – disse o garçom que trazia a cerveja e entregou a chave pra Rê. Depois dela entrar, dezenas de pessoas se amontoaram na porta como moscas no mel – desculpem a metáfora tosca, a situação pedia.

Chegaram os quitutes que eu, experiente, comi sem olhar, em duas mordidas. Renata mordeu e observou longamente, depois sentenciou:

- Lê, tem umas coisas pretas...
- É da coxa do frango, come e não olha – o homem nessas horas tem que mostrar segurança, firmeza.

Pagamos a conta e íamos saindo quando nossa cunhada ligou perguntando onde estávamos, Renata passava as instruções enquanto estávamos na porta. Duas donas no balcão acompanhavam o Amado Batista, empolgadíssimas:

- Soooool Vermeeeeelhoooo! Soooool Vermeeeeelhoooo!

Luxo...

quarta-feira, maio 24, 2006

coxinha

Muito se pode dizer de um bar experimentando sua (do bar) coxinha (salgadinho).
Não é? A cerveja não muda - apesar de existirem bêbados profissionais que juram que a Brahma de determinados lugares é mais saborosa do que em outros, dados os devidos descontos de temperatura e pressão. O atendimento de um boteco raramente varia mais do que o bom/mau humor do garçom. Preços são praticamente tabelados. O que diferencia mesmo o bar é a coxinha.

Repare bem na próxima coxinha que você pedir. Começe analisando o exterior: boas coxinhas tem uma camada uniforme de farinha de rôsca envolvendo-as e não vêm pingando óleo - não acreditem em quem diz que coxinha boa mesmo é a que pinga óleo, ele já passou da décima-quinta cerveja. Coxinha que vêm em pé também denota excesso de óleo e muito tempo parada.

A primeira mordida é assunto subjetivo. Existe a corrente dos começo-por-baixo e a dos começo-por-cima, particularmente estou com o primeiro grupo; gosto de encarar logo o desafio deixando o a massa para o fim, massa é fichinha. Dessa forma também, tenho logo um vislumbre do que me espera, se a redenção da minha fome ou se a tortura interminável de um acepipe indigesto.

A coloração vai do branco anêmico ao vermelho urucum (cor essa dada por temperos de uso exclusivo das Forças Armadas), prefira sempre o meio termo, como diria o Dalai Lama. Muito branco=sem gosto, muito vermelho=suspeito, para me fazer bem claro.

O interior pode reservar ainda algumas surpresas que, para os novatos da arte, só se revelarão após uma ou duas mastigadas. Ocorre que devido à volatilidade do mercado de galináceos, determinados estabelecimentos adeptos de excessivo zelo financeiro, concluíram que o recheio deve conter não peito, mas partes menos nobres da ave. Em dado momento o cuidado beira o descaso, deixando passar em exames de material que julgo de pouco ou nenhum rigor higiênico, o que os antigos chamavam carinhosamente de "gelatina" - pergunte ao vovô. Em casos extremos, mínimos pedaços da ossatura animal sobrevivem intactos ao liquidificador, indo parar exatamente naquela obturação que você devia ter ido consertar e não foi.

Em casos extremos como os citados acima, adote a postura firme e decidida do suicida: coma e não olhe. E se sobreviver, não volte a esse bar.



terça-feira, maio 02, 2006

Botequeiros do futuro

Que será dos botequeiros do futuro? Tenho medo! Foi-se o tempo de acompanhar o pai e o tio ao bar antes do almoço de domingo e acompanhar a cerveja deles com um guaraná caçulinha. Foi-se o tempo de ir ao bar do Seu Manoel comprar cigarro para o pai e assistir àquele festival de risadas, brigas por causa do futebol, de mulher, de política.

Bar pra mim sempre foi isso: lugar de confraternização, de idéia, de sonhos variados. A idéia cresceu comigo até que teve o dia em que chamei meu pai para tomar a primeira cerveja com ele. Foi meu aniversário de 18 anos e preciso confessar que não foi minha primeira cerveja. Mas teve um gosto bom, de tradição passada adiante, de rito de passagem.

Não vejo mais tantos filhos acompanhando seus pais naquela "passadinha pra dizer um oi e logo vou pra casa tá meu bem?", "Você vai é encher a cara!...etc". Na verdade não vejo mais muitos filhos acompanhando pais pra lugar nenhum. De tão rara a cena chego a ficar enternecido vendo um garoto levado pela mão por um pai, só os dois. Já posso ver um fenômeno iniciado faz pouco se alastrando pelos anos: o bar sendo só mais um lugar. Lugar físico, igual a uma padaria, uma farmácia, um lava-rápido destituído de personalidade, esta criada pelos seus frequentadores mais assíduos e zelosos. Bar está virando lugar de passagem. Bar está virando nome feio. "Vamos ao bar?" pode soar ofensa: "Tá me chamando de cachaceira?" - aliás talvez esteja aí a razão de tanto serviço diferenciado em determinados "bares", entre aspas, pra diferenciar. Certos "bares" hoje tem pratos diferenciados criados exclusivamente pelo chef buscando uma síntese entre o frescor da cozinha brasileira e a sofisticação da haute-cuisine, saca? Tem garçom de bar hoje que não sabe fazer Maria-Mole nem Bombeirinho.

Experimentasse o cidadão de 20, 30 anos atrás entrar num bar e pedir um filé à Osvaldo Aranha para ver a interrogação na cara do balconista e receber em resposta um "Só tem misto-quente, ou bauru, ou coxinha"; aliás, até os salgadinhos ficaram frescos: coxinha cremosa, que que é isso meu Deus?

Que será desses meninos que não conseguem dizer bar sem ruborizar ou correr pra lavar a boca com sabão? Que fiquem com suas frescuras. Eu quero é cerveja e coxinha, com a pimenta aquela, que matou o guarda.

terça-feira, março 28, 2006

da série "coisas que você não sabe sobre SP"

O universo de pessoas que realmente podem bater no peito e dizer sem medo de errar que conhecem sua cidade é um universo em franco encolhimento. Subverte a teoria da física que diz que o universo está em constante expansão. E tou viajando mesmo, saca?

Sou um dos que nunca bateu no peito pra dizer nada sem medo de errar e vira daqui, mexe dali, descubro um lugar novo, seja por exploração própria (as explorações boêmias tiveram início em Dublin, por volta de 1699 e culminaram com o descobrimento do lugar perfeito para a montagem da fábrica da Guinness), seja por indicação de outros exploradores. Essa história é do segundo caso.

Rezava a lenda que a Praça Roosevelt (batizada com o nome do presidente americano Franklin Delano Roosevelt, aquele pau-d´água) tinha perdido a aura dos anos 90 (onde abrigou diversas casas noturnas e bares "alternativos" - não usem essa palavra na frente dos pais, crianças) para se tornar um abrigo de mendigos e aqueles senhores da sociedade paulistana que buscam prazer com moças que atendem em diversas casas na rua Martins Fontes.

Pois vejam só: a praça tem vida noturna que vai além dessa citada. Bons bares, sebos, teatros de bolso...Vale a ida...valeu a pena

segunda-feira, março 20, 2006

das idéias

Que atração essa entre idéias e bares...e porres...e solidão (ou não, como diria caetano)? Que vontade essa de abraçar o mundo e moldá-lo numa frase definitiva, cada continente uma palavra, cada país uma letra? Que glândula é essa que nos foi posta cérebro adentro que dispara idéias ao ser bombardeada com álcool e fumaça?

Ibotirama, sexta-feira, 17 de março de 2006. É um bar, mas podia sim ser uma cidade ou um planeta encrustado no meio da rua Augusta. Os habitantes desse planeta bebem, fumam, aparecem para depois sumir atrás dos seus copos e das suas vergonhas. Mas no meio desse planeta tinha uma mesa itinerante que navegava continente adentro e continente afora e despejava idéias iluminadíssimas a respeito das coisas mais banais. Apaixonados, sorvíamos inspiração de pequenos copos e expelíamos frases fantásticas que se tentavam subir até a lua, cheia naquela sexta. Uivos de cachorros loucos que éramos, deliciosamente dementes.

Maldito seja o sol, por apagar tão lindas paisagens.

quinta-feira, março 09, 2006

Bar Inalcançável

O Dejanir pra qualquer pergunta respondia "só'. Na verdade quase que se comunicava sempre usando "só" em modulações diferentes de modo a se fazer entender. A gente entendia. E o apelido dele ficou Só.

Daí o estranhamento quando ele chegou esbaforido dizendo uma frase inteira:
- Descobri um bar.
Pra merecer comentário tão profundo do Só devia ser um baita bar.]

Choveram as perguntas:
- É bom?
- Só...
- Tem mulher?
- Só...
- A cerveja é barata?
- só...
- é longe?
- sóóóóóó...

Todos se olharam...seis ós não era longe...era muito longe. Precisaríamos de providenciar transporte e o único que tinha carro era o Oa, que ganhou o apelido por terminar todas as palavras terminadas com "o" acrescentando um "a", mania chata pra caramba, mas vá lá, destino: casa do Oa

- Oa, empresta o Vicente Celestino? (era o nome do fusca do Oa, que além de ter esse hábito chato era metido a romântico)
- e pra que vocês querem o Celestinoa?
- o Só achou um bar, mas é longe
- então vou juntoa! mas precisa pôr óleoa...

Embarcamos no Celestino, Oa dirigindo, mais eu, Pacheco e o Só na carona para indicar o caminho, o que era difícil porque a gente tinha que ficar perguntando:
- Direita Só?
Silêncio
- Esquerda então?
- Só...

Duas horas depois chegamos no alto da cantareira, numa portinha perdida no meio do nada. Grilos cantavam. Todos protestavam:
- Pô Só...é esse o bar?!
- Só...

Entramos. Rolava um blues fantástico e 90% do público era de mulheres divididas em pequenos grupos. Nossa entrada foi devidamente notada e comentada naqueles cochichos femininos, que sempre vem seguidos de risinhos. Risinhos de mulher sempre me deixaram nervoso, nunca soube se estavam rindo ou zoando. Mas vá lá...90% de mulheres com um fundo de blues...ponto pro Só.

Escolhemos uma mesa e sentamos, pedindo cerveja, que era anunciada num quadro negro no balcão do bar a 2 pilas a garrafa. Mais um ponto pro Só. O Oa começou a se assanhar querendo chegar junto de alguma das meninas. Eu e o Pacheco ainda estávamos achando aquilo tudo muito estranho...raro demais. Desconfie de bares que tem cerveja barata, 90% de mulheres e toca blues, é o que eu sempre digo.

Íamos por esses devaneios quando ouvimos um alarme do carro que só poderia ser do Oa...ele tinha programado o dito para dizer "socorroa! socorroa!". Do lado de fora, uma patrulha encostada na porta do bar e um guarda com o pé no parachoque do Celestino:
- Quem é o dono desse carro? - disse o guarda
- Sou eu, algo erradoa? - disse o Oa
- Rotina, rotina - replicou o guarda.

Só, que ia atrás do grupo tropeçou em algo que o guarda iluminou com sua lanterna: era um pacote de maconha...devia ter uns 3 quilos.

- Maconha! - gritou o guarda
- Só! - ...
- Caralhoa!
- Todos pra delegacia!

Na delegacia, fomos recepcionados pelo delegado Paranhos, que chupava um palito de dentes e usava a camisa aberta até o umbigo, como nos velhos clássicos.

- Então as meninas foram flagradas em porte de 3 kilos de erva hem?!
- Só...
- Caralhoa!
- Entrem ali na sala de massagem que já vou falar com vocês.

Entramos numa salinha com 3 cadeiras. Sempre desconfie de delegacias que tem uma salinha com o exato número de cadeiras para que todos os flagrados sentem. É uma armadilha.

Delegado Paranhos entrou na sala 3 horas depois. Oa já falava em "fugir para outro estadoa". Só, concordava. Eu e Pacheco jogávamos dois-ou-um. Paranhos fechou a porta atrás dele e foi breve:
- Rapazes, fico contente de tê-los encontrado a tempo. Aquele antro é um lugar perigosíssimo!. Na verdade aquelas mulheres são todas vampiras que atacam após as 3 da manhã!

Como disse...desconfie de bares que tem cerveja barata, 90% de mulheres e toca blues, é o que eu sempre digo.

quarta-feira, fevereiro 15, 2006

no Guatón

Mesa 1:
- instalou lá o anti-vírus?
- não...e me ferrei...entrou um cavalo-de-tróia...tenho q formatar a máquina.
- que saco!

Mesa 2:
- Já te falei, Alberto, não vou dormir com você...
- Mari...
- Eu sei que você anda saindo com a Gê
- Não é nada disso...

Mesa 3:
"cadê o zé que não chega? Mato o filho-da-... assim que ele chegar. Onde já se viu...2 horas de atraso!"

Mesa 4:
- E perna? Curte perna?
- Paca! Mas sou mais peito...sempre fui um cara de peito, manja?

Mesa 1:
- O Adílson falou com você sobre o projeto novo?
- Não...
- Bom...eu não te disse nada, mas é um troço que vai revolucionar o mercado de...

Mesa 2:
- Ah Alberto...pára...

Mesa 3:
- Pô Zé!..Tá louco mano?!
- Furou o pneu do fuca...e tava sem estepe...tive que ir na chuva até o borracheiro..
- Tá Zé...conta outra....

Mesa 4:
- Ah lá! Aquela ali por exemplo...comia?
- Orra!

Mesa 1:
- Guatón!....a conta!

domingo, janeiro 15, 2006

Bares em filmes

Raro filme que não tem pelo menos uma cenazinha em bar. Uma fachada que seja. Bares em que protagonistas se misturam a figurantes e onde acontecem grandes reviravoltas na estória: uma revelação importante que pode derrubar um facínora, lições bem dadas em traidores, partidas intermináveis de bilhar "valendo a vida", garrafas quebradas em cabeças...
Poucos filmes porém elevam o cenário à categoria de participante da trama e transformam o bar quase que em um personagem à parte; de todos meu preferido é Casablanca.
Quase não há outro cenário, a maioria das cenas fundamentais do filme se passam no Rick´s e posso estar enganado, mas o lugar reage. É ele que se fecha pra acolher os refugiados da Segunda Guerra que buscam um jeito de escapar dos alemães. É ele que baixa a luz e envolve Rick Blaine (Humphrey Bogart) em fumaça e faz coro com ele, exigindo de Sam que toque "As times goes by".
Eu recomendo!

domingo, janeiro 08, 2006

Das férias, parte 2 - botecos de praia

Vou ser sincero: gosto de praia, mas em doses homeopáticas. E de todos os serviços que a praia oferece, aí contados o sol, a areia, o mar e os vendedores ambulantes que te oferecem de redes a casquinhas de siri, eu gosto mesmo da cerveja.
A praia dispensa maiores cerimônias. Senta-se na cadeira alugada (2 pilas em Maceió), e pede-se a cerveja. Até aí nada que não aconteça na cidade, o diferencial são os extras.
Crianças berram na água. As barracas insistem em tocar axé ou qualquer variante de música descerebrada cheia de vogais (o que seria da música baiana sem as vogais? ôôô...êêê...aôaôaô). Pessoas querem venter tudo...tudo. Você tem que vestir um tipo de segunda pele feita de protetor solar (já tentou pegar o copo de cerveja logo após passar protetor?). Tem o espetáculo bizarro de pessoas que passaram o ano inteiro no sedentarismo completo e na praia viram atletas. E conforme a maré muda, você também tem que mudar...toca arrastar cadeiras e parafernálias praia acima.
Mas que sujeito chato sou eu! A praia tem sim seus valores (além da cerveja) e Maceió e Recife estão entre as cidades com algumas das praias mais bacanas que já vi. Boa Viagem e Pajuçara são ótimas praias urbanas. Na primeira me chamou a atenção um tal Parque dos coqueiros onde os ditos são plantados por pessoas que ganham uma placa para escrever uma dedicatória. Tipo, dedique um coqueiro a quem você ama, saca? Entre os homenageados, filhos, pais, maridos, esposas, autoridades, artistas e por aí vai. Lá também tem placas indicando a incidência de ataques de tubarão. Em inglês é mais grave e indica risco acima da média. Por via das dúvidas fiquei a alguns metros da água Em Maceió o povo é muito simpático e não te incomoda tanto com a oferta de serviços como é tão comum nessa época do ano e lá as barracas de beira de praia, pra quem prefere nem por o pé na areia são bem estruturadas e tem preços camaradas.

Das Férias, parte 1

Voltamos, Rê e eu, na madrugada de sábado num avião da Tam que mais parecia um ônibus de tão anárquico. Havia uns 10 casais de pernambucanos de meia-idade agindo como adolescentes em cinema. Piadinhas sacanas, berros atravessando corredores, risadinhas, e o ápice: um deles arremesou uma daquelas embalagens pequenas de geléia, que distribuíram na parca refeição aérea que as comissárias chamaram de café-da-manhã, ao outro lado do corredor, atingindo a Rê na cabeça. O olhar da Rê ao "putz, desculpa" do cidadão poderia derreter uma geleira. Imaginei a geléia voltando na cabeça do cidadão atingindo o seu olho e causando uma hemorragia...pânico e caos instalados. Havia também o casal que tinha comprado assentos juntos mas foi separado pelo corredor (como aliás estávamos nós dois). A insistência do cidadão foi irritante. Toda comissária que passava era cutucada por ele e ouvia a mesma cantilena. Enfim, um vôo super-tranquilo e rotineiro.
Chegamos de madrugada e procuramos um táxi que c0m um sorriso realmente sincero nos informou que a corrida para a Frei Caneca ficaria em torno de 74 paus. Protestamos. O sorriso não se desfez enquanto ele perguntava se nós íamos ou não e se afastava. Tem algo de muito errado nesse monopólio da Coperativa de Táxis que atende o aeroporto de Guarulhos. Optamos pelo ônibus aquele, o Airport Service. Quarenta minutos de viagem ouvindo roncos e um celular que não parava de tocar. Mas chegamos, vivos e bem. E nas análises feitas até o momento não demos falta de nenhum orgão importante.