quarta-feira, julho 05, 2006

Uma última coisa sobre a Copa

Acho que tudo que podia ser dito sobre a Copa - incluindo aí, e com o devido grifo, o papelão do escrete canarinho - já foi dito e redito. Mas olhando o Almanaque da Folha - seção online de história do jornal - vi um texto publicado por ocasião da vitória em 58. Duas coisas que me chamaram a atenção: o cuidado com o texto esportivo da época, que recebia o mesmo tratamento de qualquer texto do jornal; não existia o modismo de transformar os textos futebolísticos em uma bobajada que se equilibra entre pseudo-literatura (vide as tentativas ridículas do Pedro Bial de fazer crônica esportiva no Jornal Nacional) e o fanatismo/ufanismo imbecil (pra citar um nome: Bobueeeeenooo!!!). Outro aspecto, especial para mim tão apreciador da crônica, foi o singelo texto escrito por dois jornalistas que foram à rua no momento da final entre Brasil e Suécia as imagens capturadas são uma delícia. Segue a íntegra desse texto e o link para vocês buscarem mais dessas pérolas, que não se resumem ao mundo da bola.

Almanaque da Folha

"ATENÇÃO, BRASIL!... ATENÇÃO, BRASIL!... vai ser iniciado o jogo..." Desse grito nervoso até aquele outro, em que o locutor, com o coração na garganta, anunciou o último apito do árbitro - BRASIL, CAMPEÃO!... BRASIL CAMPEÃO DO MUNDO!... - transcorreram quase duas horas de emoção para homens fortes, duas horas de um "suspense" jamais registrado em nossa história esportiva. Quando a Suécia abriu a contagem, houve um princípio de colapso cardíaco em cada coração e caíram as primeiras lágrimas de tristeza. Mas logo o Brasil empatou e então os corações se abriram num entusiasmo só e caíram as primeiras lágrimas de alegria. Em todas as praças da cidade, em todos os lares, nos cárceres, nos campos dos arredores, nas mansões grã-finas do Jardim América e nos botecos sujos dos arrebaldes, centenas de milhares de homens saltaram de alegria, gritaram e confraternizaram-se. SEGUNDO GOL. Na praça da República o povo explodiu e a multidão ergueu-se como em obediência a uma ordem de comando. Uma senhora caiu desmaiada aos pés do repórter e um nissei, que antes parecia impassível, enfiou o rosto nas mãos e chorou de emoção e alegria, enquanto a artilharia dos foguetes juninos explodia no céu e sua fumaça se confundia com a impressionante chuva de papel picado que descia dos arranha-céus.

O PRIMEIRO INDIFERENTE

Quando saímos para esta reportagem, notamos o ascensorista tranqüilo como um hindu.

- O jogo não o emociona?

- "Não vou ouvir a irradiação. O coração, sabe?"

Saímos à rua. Rostos pálidos, sorrisos forçados por todos os cantos. Percorremos as praças e ruas do centro. Gente sentada na grama dos parques, no chão, sobre carrinhos de ambulantes. Carros parados, homens nervosos andando de lá pra cá. E o silêncio, um silêncio quase lúgubre. Finalmente, começa o jogo. Aumenta o nervosismo, os gols se sucedem e os ataques de lado a lado, sempre perigosos. Quando a Suécia abriu a contagem, um jovem, na praça do Patriarca, jogou-se no chão. Ergueram-no e ele, quase sem sentidos, começou a arrancar os cabelos de desespero.

- "Meu Deus!... Meu Deus!... Estamos fritos!... Quando o Brasil empatou, o mesmo jovem saiu em disparada, aos berros:

- "Ganhamos!... Ganhamos!..."

- "Esse vai enlouquecer hoje." Comentou uma senhora.

Vavá marcou outra vez e colocou o Brasil em vantagem. Então todos enlouqueceram, inclusive a senhora que temera pela razão do rapaz nervoso. Ela abraçou um guarda.

A multidão dançava na praça. A artilharia foi mais forte e a chuva de papel picado desceu outra vez.

Acabou o primeiro tempo, começou o segundo. Quase ninguém notou o intervalo:

- "Quanto falta?"

- "Falta muito?"

- "Meu Deus, o tempo não corre!"

- "Goooooool! Goooooool do Brasil!" - gritou o locutor. Aí, não pudemos notar nada, nem registrar nada. Mal percebemos que fora Pelé o autor do tento, porque um homem nos agarrou com lágrimas nos olhos e começou a beijar-nos desesperadamente. Quando nos largou, ouvimos um homem gritar:

- "Adeus, vice"... Adeus, vice!... É nooosso! É nooosso!"...

Prossegue o jogo e as perguntas se sucedem:

- "Quanto falta?"

- "Faltam dez."

- "Você está louco" Está no finzinho, velho!"

As cenas se repetiram na marcação dos outros dois gols.

FECHOU O MERCADO CENTRAL

O Mercado Central fechara suas portas. O administrador ficou com medo de que os foguetes da vitória fizessem ruir o prédio. Prudência elogiável, porque as casas especializadas esgotaram seus estoques de bombas juninas. Pela manhã, os maratonistas da federação de atletismo cobriram os 20 quilômetros em menos tempo. Vimos 2 deles depois, na cidade, vibrando com o futebol que sempre consideram inimigo do esporte amador.

"TEEEEEERMINOU O JOGO! BRAAAAAASIL CAMPEÃO!"

A voz do locutor veio do céu. Do céu veio a bênção para o povo, que dançou mais do que nunca, numa alegria talvez mais forte do que aquela que anunciou o fim da guerra ou que assinalou a chegada dos pracinhas da FEB. Alegria de lágrimas, alegria de abraços. O povo está em festa nas ruas e grita:

VIVA O BRASIL!... VIVA O BRASIL!...

Aí cruzamos com o segundo indiferente. Um jovem alto, com óculos de intelectual. Vem sereno pela av. São João, um livro sob o braço.

- "Não está emocionado?"

- "Nem liguei para esse jogo. Quem ganhou?"

- "O Brasil, menino! O Brasil!..."


Um comentário:

Čēšåř ₣∙Ċ· đё Ǻľmëîđå disse...

Ao ler uma reportagem de velha data como esta fico me perguntando, o que foi que mudou ? Não com relação a nossa seleção, nem com relação aos aspectos do esporte. Me pergunto onde foi parar esse sentimento que inia o povo de nossa nação, de algums anos pra cá parece que a única coisa capaz de juntar pessoas é comentar sobre a impunidade da política as desgraças do cotidiano ou a naovelinha das oito.
Sinto saudades de uma época que não vibi e agradeço a Deus por ainda ter algums poucos amigos apra uma conversa num boteco qualquer...