quarta-feira, junho 10, 2015

Destoando


O garçom que acabou de começar o turno se aproxima da mesa em que o sujeito está sozinho, bebendo um vinho de boa procedência, trabalhando os talheres em um pedaço gorduroso de pernil.

- Com, licença cavalheiro
- Pois não?
- Sinto muito em informar, mas o senhor está destoando do nosso estabelecimento.
- Como é?!
- É a primeira vez que o senhor vem aqui, não é?
- É sim...
- Logo vi. Por gentileza, dê uma olhada em volta.

O homem olha. Um balcão de fórmica sobre um piso que já foi novo forma um "Ú" no meio do salão. Em uma das extremidades há uma churrasqueira fumegando. Um senhor muito suado maneja espetos com linguiças, nacos de costela e outras carnes que não conseguiu identificar. Ao redor do balcão, mesas - também de fórmica - estão dispostas junto à parede. A maioria é como a dele e comporta quatro pessoas. Estão todas cheias de garrafas e ocupadas por no máximo três pessoas. Todas falam muito alto. As paredes estão semicobertas por um papel de parede antigo, puído, coberto de uma fina camada de pó e gordura, no limite do imperceptível. Na porta, um cachorro vadio olha para dentro, esperando - quem sabe - um osso atirado por uma alma temente. Dada a volta completa, o homem contempla seu prato de pernil adornado por farofa de ovos e vinagrete. Completa o cenário a toalha xadrez com furos de cigarro, um prato de Duralex com um pão, e uma molheira cheia até a metade com um molho de cebola (a outra metade havia sido consumida com um outro pão, ausente, evidentemente). Por fim, o homem contempla o copo de vinho.

E olha de volta para o garçom, que leva os olhos do copo para o homem, e levanta as sobrancelhas, inquisidor.

- E então?
- Leva o vinho. Me traz um Cynar. Dá uma tingida com vermute.
- Muito bem, senhor.

O garçom se afasta, mas ainda ouve o homem gritar:

- Traz também uma Caracú!


Um comentário:

Renata disse...

Muito bom! Uma ode à culinária ogra - com a bebida apropriada...rs...