sexta-feira, maio 29, 2015

A Reforma: Capítulo MCMXXII - Traz a caçamba, traz a caçamba, que o entulho tá aí...


É assim: obra que gera entulho pede caçamba. E em São Paulo, em todas as ruas, caçambas paradas na calçada te lembram: "contrate caçamba cadastrada",  e eu sempre brinquei com a coincidência da frase gerar a sigla CCC, igual ao Comando de Caça aos Comunistas da época da Ditadura. Estava brincando com fogo e não sabia.

A arquiteta tomou a frente:

- Deixa que eu chamo um pessoal que eu conheço. E eles têm autorização pra trabalhar por aqui.

Em São Paulo, é melhor contratar caçambeiros da região, já que eles conhecem "as manhas" da hora certa de parar, recolher o entulho, etc.

Acertou-se que a caçamba chegaria às 23h de um domingo. A gente só precisava garantir que teria uma vaga para instalar a dita cuja. Em São Paulo, achar uma vaga é coisa complicada, entre outras coisas porque boa parte delas está tomada por caçambas.

Na nossa rua o estacionamento é proibido entre as 16h e as 21h, então tivemos que esperar dar as 21h para conseguir pegar uma vaga. E depois tivemos que esperar até às 23h para a chegada do caminhão com a caçamba e tirar o carro para que o caminhão instalasse a caçamba. Era uma hora da manhã e nada de caminhão. Nem caçamba.



No dia seguinte soubemos que o caçambeiro tinha ficado doente. Em São Paulo, domingo é dia de macarrão junto com um monte de bebida, o que eventualmente provoca sonolência, mal-estar, visão duplicada e, em alguns casos, doença.

Um dos pedreiros ouviu a história:

- Eu tenho um amigo...

Agora uma lição sobre a mecânica do Universo. Cientistas divergem sobre a quantidade de fatores envolvidos, mas há consenso no seguinte: :  quando alguém entreouve uma conversa e se intromete  dizendo que "conhece alguém" que pode resolver a questão envolvida na conversa, existe uma grande chance disso não dar certo

Esse certo alguém é uma pessoa que tem um caminhão, e que poderia encostar na segunda-feira, recolher o entulho e ir embora.

- Tudo limpeza
- Ele tem licença? Não vai jogar esse entulho em qualquer terreno?
- Nãão, ele paga um cara todo mês. Tá tudo certo.
- Marca pra amanhã então, pode ser?
- Vou ligar pra ele é agora.

 Amanhã.

- E aí, cadê teu amigo?
- Tá chegando. Ele vinha me seguindo, mas me perdeu de vista lá na Ponte da Anhanguera. Já já tá aí.

Já já.

- Então...
- Peraí que vou ligar pra ele.

O pedreiro passa esbaforido pela cozinha. A Renata resolve descer pra tirar o carro. Ajudar o cara a ter acesso ao entulho que ocupa nossa vaga. Desço atrás para avisar o pedreiro e vejo... Nada. Nem pedreiro, nem caminhão. Vou até a garagem e a Renata está esperando um sinal, uma senha, algo que diga que ela pode tirar o carro. Mas nada acontece. Voltamos para o apartamento.

E encontramos o pedreiro de volta à lida.

- Mas... Cadê teu amigo?!
- Ah, não sei, ele ligou dizendo que tava aí embaixo mas não tava. Acho que desistiu.
- ...

Uma lição sobre prioridades. Às vezes há um desencontro entre aquilo que você tem como importante e aquilo que as pessoas que entreouviram sua conversa e disseram que "tem um amigo" acham importante.

A arquiteta providenciou uma nova tentativa de entrega da caçamba, dessa vez na noite de quinta-feira para sexta-feira.

Eram umas 19h30. Íamos à padaria. Em São Paulo, as pessoas vão à padaria muitas vezes ao dia.

- Leo, acho que vou tirar o carro e guardar essa vaga.
- Será? Não é melhor esperar?

Perguntamos ao porteiro:

- CET? Não! Tranquilo. Eles não passam não...

Por volta das 20h30 toca o interfone.

- Então... é que a CET tá passando aqui e tá multando todo mundo.

Depois de uma longa conversa com o valoroso agente de trânsito em que discorremos sobre todas as implicações de uma obra na sociedade moderna, em São Paulo, ele sentenciou:

- Olha, eu entendo, de verdade, mas não tem mais jeito, esse aparelho aqui lança a multa direto no sistema lá na central.

Resignados, voltamos para casa, não sem antes passar pelo porteiro, que jurou:

- Juro! Tou aqui faz 3 meses e nunca tinha visto o CET passar!

Às 22h, toca o celular. Era o caçambeiro:

- Tou chegando aí.

Agora vejam vocês; quando você contrata uma caçamba ela fica lá por cinco dias corridos antes que o caminhão venha fazer a remoção. Foi por isso que estranhamos quando o moço disse:

- Me liga amanhã, pra retirar.

Claro que não ligamos. Ligamos pra arquiteta, que concordou conosco: são cinco dias. Ponto final.

No dia em que a caçamba seria recolhida, precisamente às 16h. Toca o interfone.

- Então... a prefeitura tá aí pra recolher a caçamba.
- Mas, mas...
- Poizé, seu Leo. Nunca tinha visto isso...

O fiscal me explicou: o cadastro da empresa estava com problemas. Não tinha jeito.

A prefeitura levou minha caçamba, meu entulho, minhas lágrimas.

Na verdade ainda temos um pouco de entulho aqui na obra. Se você conhecer alguém...






sexta-feira, maio 22, 2015

A Reforma. Capítulo XXII: O Gás




"Quando as coisas faltam, aí que você sente falta" (Confúcio, eu acho).

Sexta passada eu resolvi que não precisava acompanhar a obra. Fiquei longe. Precisamente às 15hs toca meu telefone. Era o Seu Jurandir:

- É que a gente bateu num cano aqui e era de gás.
- !!!!
- Mas tá tudo bem, já fecharam lá embaixo, já.
- E aí? Como fica?
- É...não sei. O cano tá velho. Tá descascando. Melhor tirar.
- Mas eu vou ficar sem gás até quando?
- É... não sei - uma coisa que você não pode é culpar o Jurandir de mentir nos prazos.

Problemas urgentes tem essa propriedade de mexer com nossa autopercepção, fazendo com que tenhamos a impressão equivocada de que nossa mera presença irá resolver o problema.

- Não mexe em nada que eu tou chegando.

Cheguei e, claro, não adiantou nada. Liguei para o síndico, que me acalmou.

- Calma. Tá tudo bem. Já aconteceu antes. O gás tá desligado. Agora precisa achar o ponto onde o gás chega no seu apartamento e cortar o cano que vai pro banheiro. Coisa tranquila. Na segunda a gente vê direitinho.

Segunda-feira o síndico entra em comitiva no apartamento, com um faz-tudo do prédio, o zelador, o porteiro, odaliscas, uma fanfarra... O faz-tudo foi professoral:

- O cano sobe por aqui, atrás da geladeira. Tem que ir escavando até encontrar, com jeitinho, tic, tic, tic...

Dois rombos foram feitos. Cada um grande o suficiente para passar uma capivara, como bem observou a Renata. E nada do tal do cano. Já era terça-feira e Jurandir, um homem prático como pede a profissão, deu sua sugestão:

- O mais fácil é vir rasgando desde o banheiro, passando pelo corredor até achar outra ponta.

Acordei no chão, com a Renata me abanando.

- Seu Jurandir, nosso carpete de madeira, rapaz! Custa caro esse troço. Vamos pensar em outra coisa. Amanhã a gente vê.

Na quarta-feira resolvemos apelar para o faz-tudo, que estava quebrando um galho numa obra na igreja aqui perto.

O dito cujo...
Os mais religiosos vão atribuir o que se seguiu à recente excursão do faz-tudo à igreja. O fato é que, benzido ou não, ele encontrou o dito cujo.

Choramos e nos abraçamos. Matamos um cordeiro e o servimos com pão ázimo e ervas amargas, em honra da família do faz-tudo.

Entre as comemorações, o síndico nos lembrou que devíamos ter um laudo da Comgás dizendo que estava tudo bem.

- Só pra ter certeza...

Depois de 15 ligações, descobrimos que quem faz esse tipo de laudo são as terceirizadas. A Comgás só bota a mão caso eles tenham sido chamados para desligar o gás em primeiro lugar, como se alguém fosse besta de esperar a Comgás chegar enquanto tem gás vazando pelo cano pra dentro de casa...

Mais 15 ligações e finalmente eu descobri que o que eu queria era um teste de estanqueidade, e que ele ia custar. E ia custar caro (mhuahhuahuahua!). Hoje, finalmente, depois de uma semana, um técnico de uma dessas empresas veio executar o teste.

Teste de Estanqueidade
Que consiste em colocar um aparelho de medição de pressão no relógio, abrir o gás e verificar se a pressão interna baixa, o que é sinal de vazamento.

Resultado: ou está tudo bem ou eu segurei o ponteiro do aparelho só com a força do pensamento, o caso é que temos gás.

A mudança segue. Na semana que vem começa a fase de acabamento. Vamos ver que surpresas nos aguardam.