É assim: obra que gera entulho pede caçamba. E em São Paulo, em todas as ruas, caçambas paradas na calçada te lembram: "contrate caçamba cadastrada", e eu sempre brinquei com a coincidência da frase gerar a sigla CCC, igual ao Comando de Caça aos Comunistas da época da Ditadura. Estava brincando com fogo e não sabia.
A arquiteta tomou a frente:
- Deixa que eu chamo um pessoal que eu conheço. E eles têm autorização pra trabalhar por aqui.
Em São Paulo, é melhor contratar caçambeiros da região, já que eles conhecem "as manhas" da hora certa de parar, recolher o entulho, etc.
Acertou-se que a caçamba chegaria às 23h de um domingo. A gente só precisava garantir que teria uma vaga para instalar a dita cuja. Em São Paulo, achar uma vaga é coisa complicada, entre outras coisas porque boa parte delas está tomada por caçambas.
Na nossa rua o estacionamento é proibido entre as 16h e as 21h, então tivemos que esperar dar as 21h para conseguir pegar uma vaga. E depois tivemos que esperar até às 23h para a chegada do caminhão com a caçamba e tirar o carro para que o caminhão instalasse a caçamba. Era uma hora da manhã e nada de caminhão. Nem caçamba.
No dia seguinte soubemos que o caçambeiro tinha ficado doente. Em São Paulo, domingo é dia de macarrão junto com um monte de bebida, o que eventualmente provoca sonolência, mal-estar, visão duplicada e, em alguns casos, doença.
Um dos pedreiros ouviu a história:
- Eu tenho um amigo...
Agora uma lição sobre a mecânica do Universo. Cientistas divergem sobre a quantidade de fatores envolvidos, mas há consenso no seguinte: : quando alguém entreouve uma conversa e se intromete dizendo que "conhece alguém" que pode resolver a questão envolvida na conversa, existe uma grande chance disso não dar certo
Esse certo alguém é uma pessoa que tem um caminhão, e que poderia encostar na segunda-feira, recolher o entulho e ir embora.
- Tudo limpeza
- Ele tem licença? Não vai jogar esse entulho em qualquer terreno?
- Nãão, ele paga um cara todo mês. Tá tudo certo.
- Marca pra amanhã então, pode ser?
- Vou ligar pra ele é agora.
Amanhã.
- E aí, cadê teu amigo?
- Tá chegando. Ele vinha me seguindo, mas me perdeu de vista lá na Ponte da Anhanguera. Já já tá aí.
Já já.
- Então...
- Peraí que vou ligar pra ele.
O pedreiro passa esbaforido pela cozinha. A Renata resolve descer pra tirar o carro. Ajudar o cara a ter acesso ao entulho que ocupa nossa vaga. Desço atrás para avisar o pedreiro e vejo... Nada. Nem pedreiro, nem caminhão. Vou até a garagem e a Renata está esperando um sinal, uma senha, algo que diga que ela pode tirar o carro. Mas nada acontece. Voltamos para o apartamento.
E encontramos o pedreiro de volta à lida.
- Mas... Cadê teu amigo?!
- Ah, não sei, ele ligou dizendo que tava aí embaixo mas não tava. Acho que desistiu.
- ...
Uma lição sobre prioridades. Às vezes há um desencontro entre aquilo que você tem como importante e aquilo que as pessoas que entreouviram sua conversa e disseram que "tem um amigo" acham importante.
A arquiteta providenciou uma nova tentativa de entrega da caçamba, dessa vez na noite de quinta-feira para sexta-feira.
Eram umas 19h30. Íamos à padaria. Em São Paulo, as pessoas vão à padaria muitas vezes ao dia.
- Leo, acho que vou tirar o carro e guardar essa vaga.
- Será? Não é melhor esperar?
Perguntamos ao porteiro:
- CET? Não! Tranquilo. Eles não passam não...
Por volta das 20h30 toca o interfone.
- Então... é que a CET tá passando aqui e tá multando todo mundo.
Depois de uma longa conversa com o valoroso agente de trânsito em que discorremos sobre todas as implicações de uma obra na sociedade moderna, em São Paulo, ele sentenciou:
- Olha, eu entendo, de verdade, mas não tem mais jeito, esse aparelho aqui lança a multa direto no sistema lá na central.
Resignados, voltamos para casa, não sem antes passar pelo porteiro, que jurou:
- Juro! Tou aqui faz 3 meses e nunca tinha visto o CET passar!
Às 22h, toca o celular. Era o caçambeiro:
- Tou chegando aí.
Agora vejam vocês; quando você contrata uma caçamba ela fica lá por cinco dias corridos antes que o caminhão venha fazer a remoção. Foi por isso que estranhamos quando o moço disse:
- Me liga amanhã, pra retirar.
Claro que não ligamos. Ligamos pra arquiteta, que concordou conosco: são cinco dias. Ponto final.
No dia em que a caçamba seria recolhida, precisamente às 16h. Toca o interfone.
- Então... a prefeitura tá aí pra recolher a caçamba.
- Mas, mas...
- Poizé, seu Leo. Nunca tinha visto isso...
O fiscal me explicou: o cadastro da empresa estava com problemas. Não tinha jeito.
A prefeitura levou minha caçamba, meu entulho, minhas lágrimas.
Na verdade ainda temos um pouco de entulho aqui na obra. Se você conhecer alguém...
Nenhum comentário:
Postar um comentário