quinta-feira, novembro 23, 2006

03/06/2077c - o bar errado

leia antes: parte 1, parte 2, parte 3 e parte 4.


Fico parado na porta do BH, o primeiro bar da lista, e observo. O ambiente é velho. Os garçons idem. Todos conhecidos de cada um que chega. E os que chegam são, aparentemente, frequentadores dos cinemas da região, novos e antigos (os cinemas e os frequentadores).
Um velho televisor de plasma, já saturado pelas imagens em alta definição, exibe um programa de auditório - "certas coisas não mudam, uma delas é a TV aberta" dizia meu avô. Escolhi uma mesa e me sentei à espera de um garçom, que veio com um cardápio.

- Uma cerveja por favor.
- Sinto muito, mas não servimos bebidas alcoólicas.

A frase ligou algo em mim. Lembrei de meu avô contando histórias sobre esse bar; como em determinado momento houve uma reforma e após ela reduziu-se drasticamente o cardápio de cervejas e de como houve um pequeno êxodo dos frequentadores mais antigos para outro bar. O Ibotirama, para ser mais exato.

Agradeci e me retirei.

A tarde cai enquanto chego ao Marajá, segundo bar da lista. Sentei e fiz o mesmo pedido. Fico feliz em ver o copo suado e o colarinho escorrendo na mesa. Algo está para acontecer.

Nada acontece. Sorvo o líquido rapidamente. Sinto os neurônios sendo consumidos. Escrever fica fácil mas não tenho nada, nenhum assunto. Estou aqui, sentado num bar, tomando cerveja. Que mais?

Em volta, pessoas sozinhas. Uma por mesa, todas olhando para seus pulsos consultando sabe-se lá que informação. Um sorri, uma mulher contrai os lábios e aperta os punhos, outro ainda digita insistentemente no FOLED do datawatch. Cada um no seu mundo, e nenhum no mundo do outro, exceto por aquela mesa onde um casal de desconhecidos acaba de receber um bipe de reconhecimento dizendo que poderiam em breve se casar e ter filhos. Pedi outra cerveja mais forte e mais escura e uma dose de cachaça.

Descarreguei meus créditos para pagar a conta usando um velho cartão que o garçom olhou com desconfiança. Estava escuro e não tinha pensado num lugar onde passar a noite. Bêbado que estava, resolvi vagar. Ir até o centro da cidade.

Poucos lugares tinham mudado tão pouco. Não fosse a excessiva quantidade de câmeras que garantiriam a segurança dos frequentadores da região pouco depois de 2010, substituídas e tornadas obsoletas com a implantação dos RFID´s como meio universal de identificação por volta de 2020, o centro continua mais ou menos o mesmo desde quando meu avô caminhava por aqui.

Desci até o Vale do Anhangabaú. Sentei num banco e adormeci.

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Acordei com a luz forte no rosto. As vozes pareciam saídas de um sonho que estava tendo e pouco a pouco se tornavam claras:
- Garoto! Ei garoto! Acorde! - um policial me sacudia.
- ...
- O quê está fazendo aqui a essa hora da madrugada? Você mora na rua?
- Não, eu...
- Por favor, passe seu...ei! Cadê seu datawatch?
- Em casa, eu deixei em casa...
- Ficou maluco?! E se te acontece alguma coisa?! Venha conosco, vamos te levar para a central.

Entramos no veículo. O zumbido leve do motor e a sensação de deslizar alguns centímetros acima do chão me fizeram adormecer de novo.

Acordei sentado numa cadeira. Pessoas caminhavam de um lado para o outro. No balcão reconheci meu pai conversando com outro homem.
- Deu trabalho para localizar seu pai garoto...não achamos seu RFID em lugar nenhum. Tivemos que escanear seu rosto.

Eu mantinha meu RFID conectado ao datawatch...hábito comum entre os que não queriam ter os seus implantados no corpo.

Meu pai se aproximou e não disse nada. Fomos para casa.

4 comentários:

Cris Lima disse...

=)))))))))

José Luís disse...

Leo,

Esse negócio tá ficando bom!

A próxima demora?

Leo Carvalho disse...

haha...não demora não...até o fim da semana o próximo está no ar...
abração e valeu!

Unknown disse...

tô seguindo os passos do teu neto. onde eles vão dar? no marajá?
ahaha! lindão, tô adorando!