sexta-feira, março 23, 2012

O Bebê Gigante

Crônica originalmente publicada em algum lugar, lá em 2005. Pelo menos eu acho que foi...


1


O pai suava no corredor da maternidade. A gravidez da Doralice tinha sido difícil.  Desde os três meses a barriga da esposa aumentava a olhos vistos, a cada dia que passava. Não era normal... Não era normal.

- Sr. Ademir?

- Sou eu! – ele gritou. O cigarro apagado e amassado caiu da boca.

- Parabéns, sr. Ademir. O senhor é pai de um...bem... – coçou a cabeça. Como se dá uma notícia assim?

- Um quê, doutor?! Fale homem!

- Assim que o senhor largar a minha gola, obrigado. Olhaí, amassou tudo. É um Lacoste, pô.

- Desembucha!

- Sua esposa está em recuperação, foi um parto complicado. O bebê está bem, exceto...

- Poupe-me da linguagem técnica!

- Ele nasceu com 95 centímetros e 9 quilos.

2

Ademir acordou na cama, ao lado da mulher. Ela estava descabelada. A língua pendia para fora. Os olhos semicerrados.

- Doralice... – chamou Ademir, com um fiapo de voz. Doralice, minha filha...você está bem?

Doralice arregalou os olhos.

- Eu...eu... – deu um longo suspiro e silenciou.

A cabeça sorridente do médico apareceu na porta.

- Papai, mamãe? Olhem quem chegou!

Entrou no quarto. Trazia o bebê pela mão. Ele caminhava. E emitia um som gutural.

- UUhhhh

Ademir desmaiou de novo. Doralice chorou. Enfermeiras chegaram correndo. O bebê puxava o jaleco do doutor.

- Larga daí, menino! É um Lacoste!

3

Em três meses a família teve que sair do apartamento de dois quartos no centro da cidade para um sobrado no subúrbio. A chegada à casa nova causou comoção na vizinhança.

- Jorge! Ô Jorge! Vem cá ver os vizinhos novos!

- Será que ele torce pro Corinthians?

- O que é aquilo ali saindo do carro?...  SANTA MÃE DE DEUS!

- UUUUUUh!

O menino estava com dois metros e meio e mais de cento e vinte quilos. Em todo o resto, era um bebê normal.

- Uuuuuuuh!

- Sua vez de dar a mamadeira, Ademir.

- Saco...

A vida ia nessas e os pais acabaram se acostumando com aquele serzinho de três metros de altura. O problema eram as contas. Além de comer proporcionalmente ao tamanho, o bebê precisava de fraldas feitas sob medida pela Johnson & Johnson. Quilos de Hipoglós eram gastos por semana.

Ademir teve que arrumar outro emprego, de segurança noturno em um supermercado. Entrava na repartição às 9hs, saía às 18hs, passava em casa, tomava banho e saia às 20hs, para voltar para casa apenas às 5 da manhã. Estava ficando careca. Os colegas zombavam dele.

Também não era fácil para Doralice, que passava o dia entre o fogão, onde esquentava a tina de leite, e a lavadora industrial que eles tiveram que mandar instalar para lavar as roupas do bebê.

À noite, durante o pouco tempo que tinham para interagir, trocavam suspiros.

- UUUUUUUUH!

- Sua vez...

- Saco...

4

Um dia o bebê sentou no gato da vizinha. A mãe ralhou com ele e ele chorou muito.

- UUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUHHHHHHHHHH!

Sentiu-se rejeitado. Saiu de casa, derrubando a porta e chamando a atenção dos vizinhos.

- Marta, que que é aquilo, mulher?!?!??!

- AAAH!

O bebê andava pela rua, segurando o gato morto pelo rabo.

- UUUH!

A notícia se espalhou, chamando a atenção da imprensa. Começou na internet:

“Bebê de 10 metros de altura vaga pela cidade” (Folha de S. Paulo)

“Neném do inferno apavora perifa” (Meia Hora)

Logo, helicópteros das redes de rádio e TV e da polícia estavam no encalço do bebê gigante.

- É verdade, Sandra. Um bebê de mais de 20 metros de altura está a caminho do centro da cidade! Veja as imagens.

- Nossa, Evaristo. O que é aquilo na mão dele? É um gato morto?

- É verdade, Sandra.

- É um absurdo. A pergunta que a população faz é: onde estão as autoridades?

Doralice, que a essa altura estava desesperada, vê a notícia na TV e desmaia.

A comoção é geral. O governador pede a ajuda do delegado Paranhos, especialista em rebeliões da Fundação Casa. A coletiva de imprensa foi disputada a tapa.

- O elemento neném se evadiu para o centro e nós já estamos mobilizando unidades para cercá-lo. Temos total apoio das forças armadas para acabar com essa ameaça. Pra mim, neném bom, é neném na creche!

5

- UUUhhhh

O bebê seguia pela cidade, deixando atrás de si um rastro de destruição. Devorara todo o estoque de bolos de três padarias e deixara duas franquias do McDonalds à míngua. Num cruzamento congestionado, resolveu brincar de Hot Wheels e causou um engavetamento. O corpo do gato, totalmente estropiado, foi usado pelo pequeno monstro como motorista de uma betoneira. Toneladas de cimento ficaram espalhadas pela via.

No centro de operações, o comandante da força especial, Delegado Paranhos, discutia a estratégia de captura da ameaça infantil com militares das três armas.

- Senhores. Alguma ideia?

- Vamos atraí-lo com algodão-doce e prende-lo. Propôs um.

- Não. Levaria dias para juntar todo o material necessário. Respondeu Paranhos, depois de curta reflexão.

- Que tal construir uma prisão com Lego? 

- Hm...não. Precisamos de algo épico. Grandioso. Algo que seja lembrado por...já sei! Vamos precisar de todas as bandas marciais que vocês puderem reunir. Também precisamos de todos os palhaços disponíveis.

- Mas Paranhos...o que...?

- Não discutam! Mexam-se!

6

O bebê estava tomando um barril de coca-cola quando os veículos militares começaram a se aproximar. Jipes, tanques, urutus. Acima, helicópteros militares adaptados com imensos alto-falantes. No primeiro deles, o Delegado Paranhos advertia pelo megafone:

- Atenção, neném! Atenção, neném! Neném fofinho! Neném naná! Olhaí neném, cuidado, senão a Cuca vai pegar!

Os pais do bebê, os vizinhos, todo o país acompanhava apreensivo pela TV:

- É uma operação ousada, Evaristo. O delegado Paranhos pode sair dessa como herói ou como um completo imbecil.

- É verdade, Sandra.

Paranhos deu o sinal. No solo, um coro de mais de mil palhaços cantava Nana Nenê, a altos brados, acompanhado de uma orquestra gigantesca. O som era reproduzido pelos alto-falantes instalados no helicóptero.

O suor escorria pela testa de Paranhos. Ademir, sem cabelos, com a camisa furada, olhava Doralice, desgrenhada, com o avental sujo de ovo. Evaristo segurou a mão de Sandra, que tirou rápido fazendo cara de nojo.

Até que o bebê bocejou. Levantou com agilidade neonatal e começou a anda na direção de casa. Foi escoltado pelos veículos militares, pela orquestra e pelos palhaços.

Ao chegar em casa foi recebido pelos pais. Doralice gritava: “meu filho! Meu filho!”. O bebê jogou longe o que sobrou do gato. Se espreguiçou e deitou em cima da casa, demolindo-a. Ajeitou um pouco de entulho, fazendo um travesseiro. E dormiu feliz.







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