sexta-feira, março 23, 2012

Velho Chico

Quando eu era criança era farta a oferta de programas humorísticos na TV - Humorísticos, com H maiúsculo, que é uma classificação que só pode existir nesses tempos de humor insípido, onde se argumenta que não dá para fazer graça porque não se pode falar palavrão ou ofender ninguém.

Todos os humorísticos daqueles tempos tinham à frente um grande personagem catalisador. Os maiores: Jô Soares, Renato Aragão e Chico Anysio, que pra mim ainda é Anísio. No formato vigente, os programas giravam em torno dos personagens criados por esses mestres do humor. Algo diferente da escola estadunidense ou da escola britânica, em que grupos de humoristas dividiam personagens e piadas em esquetes elaboradas. Por aqui, as piadas gravitavam em torno de um gênio, o resto do elenco era escada para o punchline, o clímax, interpretado por esse gênio.

Tempos atrás a Globo botou no mercado três caixas de DVD com os "melhores momentos" desses três mestres - melhores na opinião de algum guru mercadológico anônimo da Globo Marcas, o que vale outra discussão. Tentaram resumir em dois ou três discos tudo o que foi feito pelos Trapalhões, pelo Jô Soares com Viva e Veja o Gordo e Chico em Chico City e Chico Total. Comprei os três.

Foi com surpresa que vi que, dos três, o humor que tinha envelhecido melhor era o de Chico Anísio.

Porque na minha memória, o humor "mais engraçado" era o do Jô Soares - culto, salpicado de críticas sociais e políticas. O do Chico era popular, beirando o chulo. O dos Trapalhões, sem nenhum demérito, era infantil.

O saldo da revisão foi o seguinte:

Os programas do Jô Soares eram caricaturais. Jô e seus redatores criavam pastiches da política e, em menor escala, da sociedade da época. As piadas alternavam-se entre extremamente populares e extremamente pedantes. Envelheceram muito mal.

Os Trapalhões não eram o Renato Aragão. Longe disso, como provam as constantes tentativas de ressurreição do formato pelo humorista. O grupo era Mussum, Zacarias e, em menor escala, Dedé - esse sim, o maior escada da história da comédia brasileira. As piadas em grupo buscavam inspiração no humor físico/circense. Quando dada a chance, Mussum e Zacarias roubavam a cena com personagens que eram puro espelho da realidade. Mussum era o mestre. Didi era uma cópia mal feita de Charles Chaplin.

Chico era o único humorista dessa geração que realmente trazia algo novo. Fazia crítica social ácida através das dezenas de personagens que criou sem ficar datado. Coalhada era e é o perfeito resumo do boleiro falido. Pantaleão - além de elo de ligação com o realismo fantástico latino americano, coisa que nem o pseudo intelectual Jô conseguiu fazer - é um "coroné" brasileiríssimo. Bozó e Adalberto Roberto formam o amálgama do eterno global (sou da Globo, sou bobo, mas tou na moda).

Ele conseguiu trazer para a TV um humor verdadeiramente regional, verdadeiramente brasileiro.

Também conseguiu temperar com pimenta e coentro o stand-up, gênero americano de humor que virou uma praga por essas bandas.

O stand-up em si é simples: um sujeito ou sujeita em cima do palco apontando para a plateia os fatos ridículos do seu dia-a-dia. Não é um vomitório de obviedades como "o trânsito de SP é uma merda", tão comuns no repertório brazuca. A graça está em apontar o óbvio com situações cotidianas, ser sutil, respeitar a inteligência da plateia. Mas divago.

Chico foi além ao introduzir a crônica - gênero muito nosso - no palco. Se apropriou das técnicas de stand-up (timing, punchline) e as adaptou para contar histórias genuinamente nossas.

E a grande perda que sinto hoje é essa: morreu um mestre que não deixou discípulos. Tá todo mundo fazendo stand-up desvirtuado, quando tudo o que os palcos precisavam era de alguém contando histórias, causos, piadas.

Chico, veja daí onde você está agora se não dá pra mandar um Professor Raimundo pra ensinar pra esses meninos como se faz rir do óbvio sem ser óbvio e besta.

E chega, que tou ficando chato. Fiquem com o Chico, fazendo o que ele fazia melhor.







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