quarta-feira, agosto 05, 2015

Risada (Um argumento para roteiro do Porta dos Fundos)


É um restaurante. Fica na Vila Madalena. Serve comidas bacanas. Tem gente legal.

Em uma mesa, um casal conversa enquanto o garçom monta a mesa ao lado para receber um pequeno grupo, de quatro a seis pessoas. O casal já se sente um pouco tenso porque grupos de quatro a seis pessoas tendem a ser ruidosos. Mas é a Vila Madalena. É um restaurante que serve comidas bacanas. Que tem gente legal.

O grupo se aninha. Tudo gente boa. A conversa rola. Gente animada. Risadas. Mas tem uma risada...

O homem franze o cenho com o olhar perdido. A mulher olha para o homem. "Que foi?!". Homem cochicha

- Essa risada...
- Que que tem?
- Presta atenção...

É uma daquelas risadas esquisitas. Talvez seja a risada mais esquisita que qualquer um já ouviu.

- Caramba! - é a mulher que diz isso.
- É - comenta o homem com o cenho franzido. E procurando o garçom.

O garçom se aproxima. "Pois não?". E o homem faz menção de começar a explicar, quando uma nova risada reverbera no ambiente. O homem só ergue as duas mãos pateticamente, como que dizendo que seu caso é óbvio "não entendeu?!". Claro que o garçom entente.

Com as duas mãos espalmadas na direção do homem, o garçom pede calma e se retira. O homem olha para a mulher erguendo as sobrancelhas em sinal de dúvida. A mulher não esboça nenhuma emoção aparente enquanto pisca duas vezes ao som da risada. Aquela risada.

O homem vê o garçom saindo da cozinha acompanhado de um outro homem. O garçom cochicha no ouvido do outro homem, que olha para o primeiro homem com piedade. Ao mesmo tempo, a risada, aquela, ecoa mais uma vez. O outro homem olha para o espaço. E franze o cenho. E ergue a mão direita para o homem como quem diz "deixa comigo".

Ele se dirige à mesa onde nascem as risadas e pede licença. Se apresenta:

- Boa noite. Meu nome é Alfredo e eu sou um consultor. Posso me sentar?

A mesa permite, pela estranheza que um consultor causa em um bar. Simpaticíssimo, Alfredo explica que tipo de consultoria ele presta:

- Bom, gente. Eu sou um consultor de risadas. E a sua (aponta o objeto de discórdia) simplesmente não funciona em lugares públicos...

A pessoa objeto de discórdia não entende bem o que está acontecendo:

- Desculpa...Num...tou...entendendo (à moda Porta dos Fundos)
- Sua risada é muito FEIA!
- Como assim feia?!
- Olha - o outro homem puxa um gravador e mostra a risada para a pessoa - percebeu?

Momento tenso: a pessoa não acha que sua risada é feia. E desafia o consultor:

- Não acho não, né gente?!

Os amigos se dividem entre defensores inseguros e defensores contrariados: "é...ééé...poizéé...". O que causa espanto na pessoa:

O outro homem:

- É, então. Você tem uma risada muito feia...

Pessoa incrédula, mas silenciosa

- Olha, sua risada é uma bosta, mas pode melhorar. Pra começar, vamos treinar respiração... pra tirar esse ahuuuuuuuuuu, entre cada risada.

Paciente treina.

- Agora vamos treinar vogais. A vogal é importante pra dar ênfase na risada. Por exemplo, se é uma risada mais leve, um rárárá funciona. Agora, se é um evento mais sério, é melhor usar o I, hihihi. Mas se você está entre amigos, no particular, ou mesmo durante um orgasmo, e dá pra escrachar mesmo você pode usar o "o". Vamos tentar? Rôô Rô Rõ

A essa altura todo o restaurante está em volta do consultor, treinando sua própria risada.

Enquanto isso, o consultor vira para a câmera, quebrando a quarta parede:

- Gente, risada é coisa séria. Não dá pra rir de qualquer coisa. Tipo, cor da pele, imigrante ilegal, orientação sexual... Não dá pra rir. Agora (a partir daqui o texto é acompanhado de claques tipo Os Trapalhões), meu salário, o vizinho que acha que escreve e que pensa que todo mundo é comunista ou o outro que pensa que "bom mesmo foi a época dos militares"... isso dá pra rir sim. Libera!






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