quinta-feira, junho 18, 2015

Um resumo das coisas até aqui...(editado para quem foi adolescente nos anos 1990 e para quem é adolescente hoje e para durar 10 anos)


(importante: ainda que extremamente pessoal, e ainda que eu fale de gente que me tocou o coração de forma profunda, não vou citar nomes nessa crônica. quem está aqui sabe que está aqui. quem não está aqui, certamente está em outro capítulo. um beijo para cada um de todos nós.)



Era 1991 e meu pai chegou em casa com a notícia: fora convidado para trabalhar em um hotel em Porto Alegre.

Morávamos em Ilhéus tinha 9 meses, e a primeira pergunta da minha mãe foi:

- Lá tem praia?

Não tinha. Lá tem rio - que não é bem um rio, mas aí é outra história.

Eu não esperava muita coisa da mudança. Você não espera muita coisa quando tem 12 anos. Especialmente quando você tinha acabado de sair de São Paulo para morar em outra cidade e em outro estado. Aquilo era só uma continuidade na mudança.
Meu pai foi antes, e alugou um apartamento na Ramiro Barcelos - em frente ao Hospital de Clínicas -literalmente no escuro: era noite e a luz estava cortada. O apê precisava de reformas, então ficou acertado que ficaríamos um tempo no hotel.
Chegamos em outubro e fazia um frio de lascar, de inverno tardio, de "renguear cusco", como me explicou um amigo que apontou um cachorrinho tiritando de frio na rua, num inverno posterior:

- Tá vendo o cusco? Tá rengueando de frio.

Eu estava terminando o primeiro grau, minha irmã estava na antiga quinta-série, e meus pais tinham um problema, resolvido pelo IPA, que nos acolheu mesmo sendo fim de ano.

Foi meu primeiro contato de fato com meninos e meninas riograndenses. Não conto as primeiras tardes de domingo vendo a juventude tomando milk-shake no Rib´s , porque eu era muito novo para me enturmar.

Logo depois de nos mudarmos para a Ramiro, um primo de São Paulo veio nos visitar. Saímos um dia de casa no meio da tarde, atrás de um lugar que servisse um x-burguer.

1. A gastronomia rio-grandense.



Encontramos um trailer que servia lanches. Depois de consultar um cardápio em que todos os lanches incluíam "salada, ervilha, milho e ovo" pedimos um x-burguer: pão, hambúrguer, queijo:

- Mas sem ovo?
- Sem.
- Sem ervilha e sem milho?
- Sem ervilha e sem milho.
- SEM MAIONESE, GURIS?
...

2.
Em 1992 eu estava matriculado no primeiro ano do curso técnico de contabilidade do Colégio Protásio Alves. Não pergunte.

Foi a época em que o Nirvana estourou pra valer no Brasil. Junto com Soundgarden, Pearl Jam e outras grandes bandas de Seattle. Eu ouvia Depeche Mode. Todo mundo usava camisas de flanela xadrez. Eu usava jaqueta de couro e coturno. Comprava meus vinis no Brique da Redenção.

Na mesma Redenção fica a Igreja do Santíssimo Sacramento e Santa Terezinha. Num dia passei pela porta da igreja e vi um grupo de guris e gurias reunidos, tocando violão. Me juntei a eles e não me senti mais sozinho.

Em 1993 eu conheci mais gente que gostava do Depeche Mode, do New Order, do Pet Shop Boys. Nós e mais um monte de gente começamos a organizar festas para as quais vinha gente da cidade inteira. Uma delas foi especial porque foi onde eu beijei uma guria pela primeira vez. Não sei se ainda era 1993 ou se já era 1994, mas sei que eu já era conhecido como "Paulista", e andava pra cima e pra baixo com um amigo que também gostava de Monty Python e dos filmes com o Leslie Nielsen. Íamos montar um grupo de teatro e dominar o mundo.

3.
Em 1994 eu disse para o meu pai que queria arrumar um emprego:

- Eu acho que vai ser legal eu ter o meu dinheiro. Comprar meus discos. Minhas revistas.
- Vou ver se sei de alguma coisa.

Comecei a trabalhar em um quiosque no Quinta Avenida Center, na 24 de Outubro. O quiosque vendia cervejas do mundo todo, em um tempo em que quase ninguém bebia cervejas do mundo todo.

Na frente do quiosque tinha uma cafeteria, e a filha da dona era uma graça. E a gente ficava se olhando, mas nada acontecia nem aconteceu. Atrás do quiosque tinha um lugar que fazia um cachorro-quente muito bom, e matava minha fome quando tinha que trabalhar eventualmente aos sábados.

Eu passava as tardes nesse quiosque. Como eu ficava sozinho podia receber amigos, que se revezavam nas visitas e nos papos... Me sentia o Carlos Alberto da Nóbrega, em A Praça e Nossa. O quiosque era meu banco de praça.

Foi lá que eu conheci os caras da primeira e única banda da qual fiz parte.

Era uma banda de música industrial, inspirada no Neubauten.

Ensaiávamos no bairro São Geraldo - também industrial - aos sábados. Uma vez, ensaiamos na porta de uma retífica que - não sabíamos - estava aberta. Empolgados com o ensaio, não percebemos que fomos cercados de mecânicos curiosos com o barulho. Quando paramos, fomos aplaudidos pelos mecânicos, que estavam saindo do trabalho.

4.
Em 1994 o Brasil ganhou a Copa do Mundo depois de um tempão. Nós morávamos num apartamento na Felipe Camarão e eu convidei um monte de gente para ver a final em casa. Muitos não tiveram estômago para acompanhar a cobrança de pênaltis que deu o título. Na verdade eu acho que só um cara acompanhou. Só olhamos quando ele gritou:

- Acabou!

Nos juntamos à multidão na Avenida Goethe. Não lembro a que horas eu cheguei em casa.

5.
1995 foi o ano da minha primeira cerveja com meu pai. Foi num apartamento no número 535 da Felipe Camarão.

Nesse ano eu fui trabalhar em uma videolocadora, na esquina da Vasco da Gama com a Fernandes Vieira. Os donos da locadora tinham um negócio paralelo de venda de produtos da AmWay, e não gostavam que os funcionários se relacionassem fora do expediente, mas a gente se relacionava mesmo assim.

Às sextas a gente se encontrava na esquina de baixo e ia para o bar mais próximo.

Depois da locadora eu fui trabalhar na agência de turismo de um amigo meu, do lado da igreja, que ficava em alguma rua ali do Bom Fim a qual não me recordo.

6.
Em 1996 meus pais compraram uma cafeteria e minha irmã e eu fomos ajudar a tocar o negócio. Eu sonhava em estar fora dali e estudar jornalismo, estourar, ser o próximo... Próximo quem? Eu ia ser o cara mais fodão do mundo, tocando na banda mais fodona do mundo e escrevendo os textos mais fodões do mundo. Enquanto eu sonhava, tocava os sons mais malucos que já tocaram em uma cafeteria. Também escrevia coisas malucas na placa que ficava do lado de fora da cafeteria. Eu ia ser escritor, não ia?!

7.
Em 1997 eu namorei garota. E comecei a estudar jornalismo na Famecos. Em 1997 eu ia dominar o mundo. E a gente começou a acessar a internet em casa.

8.


Em 1998, um amigo da faculdade começou a estudar HTML pra gente fazer um projeto que ia juntar jornalismo, relações públicas e publicidade num único troço sem nome na internet. Íamos dominar o mundo. Vi pela primeira vez o clipe de Into My Arms do Nick Cave no Set Universitário, quando ia participar de uma oficina de Making Of, e chorei muito.

Neste ano, o hotel onde meu pai trabalhava foi vendido. Neste ano, vendemos a cafeteria.

Em 1999, meus pais voltaram pra SP e eu fiquei em Porto Alegre.

Em 1999 aconteceu uma baita crise e o dólar disparou, quebrando muitos negócios que contavam com a paridade do Real com a moeda estadunidense, turismo incluso.

Eu trabalhava com turismo. E só não passei fome por um tiquinho assim. E por causa de amigos muito queridos.

9.
Em meados de 1999 eu não aguentei ficar sozinho em Porto Alegre e voltei pra São Paulo. A primeira coisa que minha mãe me disse quando me viu descendo do ônibus no Tietê foi:

- Meu filho! Como você está magro! Tá tudo bem com você?

Eu não quero dizer "Foi estranho voltar para o bairro onde cresci depois de mais de 10 anos" porque isso não é esteticamente interessante, mas foi estranho voltar para o bairro onde cresci depois de mais de 10 anos.

Naquela época eu fumava, e para passar o tempo enquanto não arrumava um emprego eu fui pintar as grades da casa (um portão na garagem, grades nas janelas, um outro portão nos fundos). Meu cigarro acabou, e não tinha dinheiro em casa. Fumei bitucas do cinzeiro. Jurei que era a última vez que fazia isso. Deu certo, mas isso é outra história.

10.
Fui trabalhar numa agência de turismo na Freguesia do Ó, bem no meio do bairro. Era uma agência que atendia seguradoras, então a gente tinha que trabalhar em esquema de plantão. Eu peguei o plantão na virada de 1999 para 2000. Quis morrer.

Perto dessa agência tinha uma birosca, uma mistura de mercadinho e bar. A gente saia da agência, parava ali para tomar uma cerveja, comer salame com limão, falava um monte de bobagem e voltava pra casa. Num dia daqueles um sujeito apareceu com uma arma, perguntando de um outro sujeito que, por sorte, não estava lá.

11.
Mudamos para a Av. Nossa Senhora da Lapa e eu cansei de trabalhar na agência, especialmente por causa do esquema de plantão, que me obrigava a atender ligações no meio da noite. Numa dessas passei o fim de semana atendendo um sinistro, como as seguradoras chamam suas ocorrências, em que um catarinense quebrou as duas pernas e os dois braços esquiando em Aspen. Achei o fim da picada.

Pela segunda vez graças ao meu pai, arrumei um outro emprego, agora numa empresa de TI. Era 2001.





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