quinta-feira, agosto 31, 2006

Azul

Ela voltou pra casa debaixo de chuva e de semáforos que insistiam em ficar vermelhos. Entrando no prédio, teve que desviar de um grupo de crianças vestidas com capas de chuva amarelas comuns às crianças do Japão, onde morava já tinha 2 anos.
Estava triste e a tristeza tinha motivo. Ou estava mais frustrada do que triste, já não sabia. A alternância dos sentimentos faziam sua imagem no espelho do banheiro mudar entre tons de cinza, azul e laranja. O azul era a causa desse descontentamento.
Acordara naquela manhã sentindo vontade de ser azul. Não aquele azul que recobre a pele quando se está melancólico. Queria que a cor fosse simplesmente uma cor. Mas nesse mundo as cores falam do que vai na alma, e foi inevitável a abordagem em todos os lugares por onde passou.
No trabalho as pessoas cochichavam o que ela conseguia identificar como frases sobre frustração amorosa, sexual ou familiar.
Durante o almoço uma senhora vestida de gueixa, quebrando o protocolo, a chamou num canto e abriu um terno sorriso enquanto passou a mão no seu rosto. Aquilo a irritou profundamente fazendo o azul ser sobreposto por tons de vermelho, criando um roxo meio translúcido...a senhora recuou assustada.
No meio da tarde, seu chefe a chamou. Ele era muito branco e sereno e ninguém nunca o tinha visto com outra cor. Com muita calma ele disse para ela tirar o resto do dia de descanso; a calma era tanta que o que poderia ser definitivo para uma explosão de raiva e lágrimas, acabou sendo profundamente reconfortante. Seu azul ficou mais claro.
Em casa, com uma caneca de chá verde nas mãos e um velho disco de jazz ao fundo, sentada no parapeito da janela onde a chuva respingava, vendo a cidade lá embaixo um pensamento fez o azul tomar conta da sua alma: que mundo é esse onde ninguém pode ser da cor que quiser?

para a Cris, que tem mais é que ser azul.

Um comentário:

Anônimo disse...

AI QUE LINDO! assim, em caixa alta mesmo. obrigada Léo, de hoje em diante eu vou ser da cor que eu quiser, todos os dias, pra sempre.