quinta-feira, julho 05, 2012

Um louco de alma lavada



Diante da tela branca, pouco mais de quatro horas antes da final da Libertadores, eu tento me lembrar por que diabos eu virei corintiano.

Quando moleque eu não dava lá muita bola pra futebol. Cheguei a torcer para o Palmeiras por afinidade com uma tia muito querida. Torci também para o Flamengo, por admiração pura e simples por aquele time que tinha Zico, Júnior... Foi só depois de quase adulto que percebi como meu avô - corintiano roxo - deve ter tido vontade de me esganar, deserdar, defenestrar por essas heresias.

A década de 1990 passou, títulos vieram, times e craques geniais vestiram a camisa alvinegra, e eu não dava bola pro Parque São Jorge. Esbocei aqui e ali uma comemoração tímida. A verdade é que até então eu era corintiano como era católico: um não-praticante que simplesmente seguia a religião do pai, do avô.

Coisas da vida: como acontece com o alguns amantes que só percebem a falta que o objeto de afeição faz quando ele lhe falta, foi o miserê danado que o Corinthians passou nos últimos 10 anos que despertou a paixão adormecida.

Não, não foi a zoação incontida e escrachada dos adversários cujos times andavam em boa fase que me fez empunhar a lança de São Jorge.

O que realmente me tocou foi a fidelidade barulhenta da fiel.

A gritaria com que os "loucos" declaravam amor pelo seu time mesmo diante dos piores resultados. Apanhavam, mas de peito aberto, prontos pra outra. As mazelas choradas em grupo doem menos, e não existia - nem existe - grupo mais unido pela dor e pelas lágrimas.

E é pra isso que estou preparado hoje. Pra gritar "campeão" ou pra botar o violão no saco.

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O Corinthians acaba de conquistar um título histórico. E, me chamem de louco, mas enxergo nele um reflexo, não da conquista de 77, mas da Democracia Corintiana. 


Explico.


É fácil associar o drama dos 22 anos de jejum de títulos com a briga do Corinthians pela Libertadores - último título de vulto que o time nunca conquistou. Mas pare e pense no período em que Sócrates, Wladimir e companhia, ainda nos tempos de ditadura, brigaram por Democracia.

No fim da ditadura, a equipe resolveu peitar o governo, a censura e boa parte da imprensa que a engolia para dizer que estava na hora do país viver uma democracia.

Reserve a informação.

Nas últimas duas semanas as redes sociais têm se dividido em três partes.

A primeira é silenciosa - com raras exceções histriônicas -, é composta pelos adversários que levam a rivalidade à sério e que sabiam que essa era, definitivamente, a vez do Corinthians. Meus respeitos.

A segunda, claro, era a voz da Fiel. Dispensa comentários.

A terceira foi a que me preocupou.

A terceira foi a da massa de pessoas que não se manifesta, nem contra, nem a favor, na maioria das disputas futebolísticas. Se diz sem time. Fica indiferente diante da derrota do Corinthians. E fica indiferente diante da vitória de São Paulo, Palmeiras, Santos, mesmo nas mais barulhentas finais de campeonato.

Hoje essa massa resolveu se manifestar. Pra reclamar.

Porque corintiano não pode comemorar - porque não sabe comemorar. Corintiano é mais barulhento do que qualquer outro torcedor. É mais sujo. É mais violento.

Não foram poucos os pedidos pra não sair de casa - havia riscos de assaltos, quebra-quebra, saques, porque o populacho ia sair às ruas. (alguns brincaram: "calma, hoje não tem assalto, os bandidos estão todos torcendo). Nunca, em toda minha vida de torcedor, eu tinha ouvido alguém reclamar que o barulho da torcida ia atrapalhar os hospitais perto da sua casa. Hoje eu ouvi.

Tudo isso, penso, é reflexo da São Paulo de hoje. Essa São Paulo kassabista/alckimista que resolve a própria incompetência na base da proibição. São Paulo que a cada dia perde o status de cidade de vanguarda para o de cidade medíocre, em que os cidadãos almejam espaço privado em detrimento de espaço público. Reduza-se o segundo para aumentar a segurança do primeiro.

É por isso que o Corinthians tinha que ganhar esse título.

E tinha que ir pra rua e fazer barulho pra mostrar que cidade viva é cidade que pulsa e é democrática. Você pode até fazer cara de nojinho, mas o barulho, o pixo e o lixo fazem parte do espaço público.

Pior! Quando você acordar amanhã, o apocalipse não vai nem ter acontecido. A cidade ainda vai estar em pé. Os corintianos, os palmeirenses, os são paulinos e vocês ainda vão estar indo trabalhar.

O nome disso é democracia.